domingo, 2 de janeiro de 2011

Luigi Nono - Prometeo 1995

 
Sequência do post anterior.

Isso significa que a música não existe, nem pode existir, em sua totalidade. Sua completa existência exige seu próprio devir. A totalidade da música só é possível subjetivamente, ela é o resultado de um processo construtivo subjetivo, cujo sucesso, ademais, não é gratuito. É justamente essa necessária intervenção do sujeito na constituição da música em sua totalidade que vai conferir ao “conhecimento” um papel decisivo na apreciação musical.
A melhor maneira de nos aproximarmos da questão é nos perguntarmos que tipo de conhecimento é este. Rejeito, pelo menos atualmente (considero que esta questão é muito mais delicada do que o modo que fui capaz de apresentar aqui), como resposta qualquer espécie de conhecimento técnico, com relação à manipulação dos instrumentos, conhecimentos teóricos, indispensáveis na composição, ou mesmo conhecimentos com relação à história da música.
A peculiaridade desse conhecimento se encontra particularmente naquilo que auxilia o espectador a compreender a música em sua totalidade, isto é, naquilo que permite a percepção de sua forma. A noção de forma, portanto, desempenha um papel central, e deve ser cuidadosamente explorado. Sem perceber a estrutura formal da música não é possível aprecia-la, apesar de poder, é claro, se admirar com passagens tomadas isoladamente ou elementos particulares, mas isso não constitui o verdadeiro gosto.
É justamente a forma o horizonte que orienta toda atitude comercial com relação à música. Quem deseja o sucesso comercial deve procurar, em particular, a forma comercial ideal, que se caracteriza pelo maior grau possível de inteligibilidade, isto é, a música bem sucedida deve ter, em primeiro lugar, uma forma inteligível.
Michael Jackson e sua gravadora levaram esta idéia às ultimas conseqüências, desenvolvendo uma formula através da qual se produza, de forma quase serial, músicas comercialmente eficazes. As estruturas essenciais dessa forma se consolidaram fortemente ao longo de toda a história, e permanece presente na constituição da música de massa. Uma dessas características pode ser grosseiramente apresentada assim: Introdução, parte A, talvez parte B, refrão, solo, refrão, conclusão. A capacidade da memória do homem guia esta formula. A música não pode ser maior do que a capacidade de memorizá-la já no primeiro contato, a necessidade do esforço de escutá-la duas ou três vezes é inviável, é a própria sentença ao fracasso. Como é patente, a repetição é fundamental para a memorização, de modo que o refrão deve ser sistematicamente repetido. Tudo isso, no entanto, não pode ser evidente, é preciso ainda que se tenha um tipo de prazer diferençado, aqueles que levam as pessoas a terem orgulho de seus próprios gostos, portanto, deve-se incluir, ainda, uma passagem instrumental, se possível reproduzindo a própria melodia do refrão.
Outro caráter formal importante de se destacar é a presença de um contorno nítido entre a melodia e o acompanhamento. A melodia carrega toda a identidade da música, enquanto a acompanhamento recebe a tarefa de torná-la agradável e atraente. Esta característica é particularmente reveladora por estar profundamente enraizada na maneira com que compreendemos a música, de modo que sua identificação não é possível sem antes ultrapassar a dissimulação da naturalidade. Ela se consolidou tão fortemente que pensar música segundo esta estrutura se tornou completamente intuitivo, a passividade com que se recebe esta estrutura é a própria marca de seu absoluto sucesso. Esta radical oposição entre este dois pólos, melodia e acompanhamento, se tornou a maneira padrão com que se recebe a música. A radicalidade dessa forma da origem a idéia, infelizmente majoritária, de que a voz possui uma prioridade em relação aos demais instrumentos, cuja tarefa se restringe a meramente sustentá-la.
Não há nenhuma justificação relevante para a eleição destas estruturas formais, quanto mais músicas são criadas a partir dela, quanto mais ela é reproduzida, mais natural se torna sua recepção e mais garantido será o seu sucesso. Talvez, a explicação mais aceitável se encontre na psicologia humana: a tendência de permanecer com aquilo que já se conhece.
Na tentativa de retomarmos o caráter mais filosófico texto, devemos voltarmos a investigar a noção de forma.



A música de vanguarda é o melhor exemplo que pensei para representar a independência formal com relação às exigências do mercado.

10 comentários:

  1. Ouvir uma música duas vezes é sinal de que ela é comercial...hehehe...Bom, a minha dúvida é a seguinte: se vc reconhece o valor da subjetividade na apreciação musical, como se pode ter uma educação musical? Afinal, se é apenas o sujeito que dá a totalidade à apreciação da música, cada sujeito terá uma maneira diferente de apreciar e aí como é possível qualificar uma música como boa ou ruim? Eu sei que vc tem boas respostas pra tudo isso, mas são apenas provocações...heheh

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  2. E o fato de uma música ser independente formalmente às exigências do mercado, torna essa música boa? Já vi muito louco fazendo musica experimetal péssima e músicas comerciais ótimas...

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  3. A segunda pergunta é mais fácil. meu oresente texto tem muito menos uma intenção valorativa da música do que explorar a relação da forma da música (sua unidade que permeia sua fragmentação no tempo) e o fato que não a percebemos imediatamente. Estou com um pouco de pressa. Mas logo explicarei melhor. Diretamente: nenhuma das duas implicações são válidas (vc está certo). Pode exisitr musica com uma forma comercial boa, e pode existir música com formas diversas ruins. O máximo que podemos extrair do texto, em questões valorativas, é que ser livre de uma forma permite o criador uma maior autônomia, e consequentemente, as CHANCES de sair daí uma boa música é maior. O que já é algo interessante.

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  4. Para a primeira pergunta, ainda não sou capaz de responder. Mas num nível mais básico posso tocar na questão com muita força: Que algo seja subjetivo não significa que não possa ter uma validade universal!!

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  5. aoowww!! Mas uma coisa tá me deixando confuso: vc escreveu na primeira parte, " O prazer que se tem ao escutar uma boa música não é mediato...", ou seja, o prazer ao ouvir uma música é imediato (já que não é mediato,) correto? Temos um prazer imediato ao ouvir uma música? Mas agora vc me responde o seguinte sobre a música: "e o fato que não a percebemos imediatamente". Afinal, percebemos a totalidade da música imediatamente ou não?

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  6. hehieahieia. Escrevi errado!!! não é imediato!!!

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  7. quando vc comentou no primeiro post eu vi que errei, mas pensei que vc não iria levar a sério o "mediato". Depois eu iria secretamente mudar e ninguém veria minha burrice!!!

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  8. hahahahah....safadão...tô observando cada vírgula....seu cretino

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  9. Li ambos os textos e agora acompanho essa discussão.
    Estou discordando da seguinte parte: "Sem perceber a estrutura formal da música não é possível aprecia-la, apesar de poder, é claro, se admirar com passagens tomadas isoladamente ou elementos particulares, mais isso não constitui o verdadeiro gosto."

    Estipular o "verdadeiro gosto", me soa um tanto prepotente, muitos fãs da "suposta" boa música podem apreciá-la sem entender completamente seu significado (seja ele literal ou abstrato) e sua forma e mesmo assim desfrutar imensamente.
    Não se pode definir o "aproveitamento pleno", sem que se estabeleça o que é música "boa" ou "ruim", o que é completamente subjetivo, até que se prove o contrário.

    Um músico gosta da faixa "X", por suas variações de compasso, ou sua estrutura incomum, enquanto um leigo pode aprecia-la em mesmas proporções porque essa faixa "X" reproduz uma memória de sua avó... E para mim, ambos os casos constituem um aproveitamento válido da música, compreendendo ou não "sua forma".

    O que torna fácil "gostar" de Ivete Sangala e realmente complexo apreciar uma composição de Stockhausen? Fenômenos psicológicos? Carga cultural? Complexidade compositiva (forma)?
    Provavelmente essas e outras respostas são válidas.

    Hehe, seu blog é muito legal, camarada

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  10. Lucas, estou em Arraia D'ajuda, por isso não poderei te responder adequadamente.

    Para começar, tocando no ponto mais fundamental que você mencionou, até hoje ninguém me provou que o valor da música é completamente subjetivo. Portanto, até que se prove o contrário, um discurso sobre a música não é nem objetico, nem mesmo subjetivo. No entanto, não se trata de provar nada aqui. O valor desta discussão não esta na prova, mas na propria possibilidade de discussão, na medida em que ela produz novos conceitos a partir do quais se compreende a música. Nossa discussão é a construção de um "esquema conceitual" quineano, só que neste caso ele incorpora a realidade da música. E como aprendemos com Quine, é perfeitamente aceitável "ontologias concorrentes" que, apesar de opostas, uma não implica na falsidade da outra. As duas são maneiras igualmente legítimas (na medida em que explica uma realidade coerentemente) de compreender a música.

    A segunda parte da resposta, a que você propriamente me indagou, eu tenho que pensar melhor, e não tenho tempo aqui...

    Obrigado pela discussão! Até mais.

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