terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Wizzard - Wizzard Brew 1973


        Havia escutado pela primeira vez esse álbum anos atrás, mas hoje, indo dormir, perdi completamente o sono com ele, e não pude ir dormir antes de vir posta-lo! Fui inteiramente absorvido pela energia do álbum. Trata-se de um álbum de uma integridade rara, mantém um nível e um ritmo praticamente insustentáveis, alem de explorar estilos diversos com plena autonomia e liberdade: sozinho faria uma festa fantástica!



  1. "You Can Dance Your Rock 'N' Roll" – 4:37
  2. "Meet Me At The Jailhouse" – 13:33
  3. "Jolly Cup Of Tea" – 2:13
  4. "Buffalo Station/Get On Down To Memphis" – 7:37
  5. "Gotta Crush (About You)" – 3:44
  6. "Wear A Fast Gun" – 9:20

2006 Bonus tracks

  1. "Ball Park Incident" (A) - 3:42
  2. "The Carlsberg Special (Pianos Demolished Phone 021 373 4472)" (Bill Hunt) (B) - 4:16
  3. "See My Baby Jive" (A) - 5:01
  4. "Bend Over Beethoven" - (Hugh McDowell) (B) - 4:42
  5. "Angel Fingers" (A) - 4:39
  6. "You Got The Jump On Me" - (Rick Price) (B) - 6:28
  7. "Rob Roy's Nightmare (A Bit More H.A.)" - (Mike Burney) (B) - 3:47
  8. "I Wish It Could Be Christmas Everyday" (A) - 4:48





(Não sei se o link que achei inclui os bônus, se não tiver, sugiro que procurem!)

domingo, 25 de dezembro de 2011

Kollektiv - Uma Discografia De Um Ano


Kollektiv - Kollektiv 1973

1. Tambo Zambo (11:49)
2. Baldrian (7:05)
3. Försterlied (1:49)
4. Gageg - Andante (5:05)
5. Gageg - Allegro (3:35)
6. Gageg - Pressluft (11:02)
Total time: 40:25


Kollektiv - "SWF-Sessions" (Vol.5) 1973

1. Tamboura (8:16)
2. Subo (8:20)
3. Mollzitter (14:19)
4. Baldrian (6:29)
5. Gageg (20:09)
Total Time: 57:33


Kollektiv - Live 1973

1. Rapunzel (8:06)
2. Subo (9:07)
3. Rambo Zambo (24:20)
4. Förster-Lied (1:53)
5. Gageg (excerpt) (12:44)
Total Time: 56:10



- Klaus Dapper / flute & saxophone
- Jürgen Havix / guitar & zither
- Jürgen (Jogi) Karpenkiel / bass
- Walemar (Waldo) Karpenkiel / drums



             Disponibilizo uma referencia incrível de krautrock: Em estilo e nível semelhantes a Embryo e Xhol Caravan, esses três álbuns do Kollektiv de 1973 consiste num grande exemplo do jazz-rock que a Alemanha produziu!




sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Max Bruch - Concerto para violino no. 1 em G menor, Op. 26



     Escutei pela primeira vez (com a devida atenção) esse concerto para violino de Bruch essa semana. E foi, já nesse primeiro contato, uma experiência completa (Isso supostamente diz tudo, mas seu conteúdo determinado é, na verdade, inexistente). Tanto faz: estava num momento sensível, e não estou disposto a descrever, analisar e fundamentar a experiência que tive com a musica. Espero simplesmente que também gostem do concerto, se assim suceder, o conteúdo do meu discurso estará, acredito, satisfatoriamente preenchido.

      Peguei o álbum do blog "O Ser da Musica", que, ademais, vale a pena conhecer. O concerto de Edward Elgar vai de brinde (não o conheço).

        http://oserdamusica.blogspot.com/

     Ademais, já que estamos falando de concertos para violino (inclusive de opus 61), escutem também o de Beethoven, que, coincidentemente, foi uma das primeiras obras que me verdadeiramente me comoveu. Abaixo está, do mesmo blog, várias versões do concerto.

        http://oserdamusica.blogspot.com/search?q=beethoven+61


sábado, 17 de dezembro de 2011

Coupla Prog - Death Is A Great Gambler 1972



        Apesar do álbum ter sido gravado em 1972 só foi editado e distribuído em 2002. Essa capa de extremo mal gosto é realmente incompreensível, mas a música é boa, nada impressionante ou inovadora, mas trata-se de uma som muito bem feito, que transparece consciência e equilíbrio. Na linha do Frumpy, com destaques para o órgão e orientações para o blues, fazem um belo prog alemão.



1. Chandra (6.30)

2. That's The Way It Goes (4.12)
3. Tochter Im Delirium - Daughter's Delirium (9.15)
4. Death Is A Great Gambler But If I Win, Finally I Can Die (18.34)
5. Your Time Has Come (4.25)
6. Season Of The Witch (13.47)



Total Time: 56:43



- Hubert Donauer / drums
- Rolf Peters / guitar, vocals
- Reiner Niketta / bass, organ, piano, vocals
- Wolfgang Schindhelm / organ, piano, vocals
- Reinhold Hirt / drums
- Walter Kümmich / guitar


domingo, 20 de novembro de 2011

I Giganti - Terra in Bocca (poesia di un delitto) 1971



1.Prima Parte (23:38)
2.Seconda Parte (23:03) 

Line-up / Musicians
- Giacomo "Mino" Di Martino / vocals and guitar
- Francesco "Checco" Marsella / vocals, keyboards, mellotron
- Sergio Di Martino / vocals, bass, guitar
- Enrico Maria Papes / vocals, drums, sound effects

Guest musicians:
- Ellade Bandini / drums
- Ares Tavolazzi / bass, guitar
- Vince Tempera / organ, piano
- Marcello Della Casa / guitars

sábado, 12 de novembro de 2011

Consciência Estética na Arte Contemporânea



Introdução

A necessidade eufórica de se definir arte é, certamente, sintomática. A atual produção artística se depara no interior de dimensões que não se encontravam reservadas à arte, e a exigência de uma elaboração teórica paralela a fim de reconhecer tais objetos enquanto obras de arte caracteriza de forma decisiva a experiência estética contemporânea. Além de estar naturalmente condenada a acompanhar e assimilar o movimento da produção artística, a estética se encontra, hoje, ainda determinada por uma segunda tarefa: legitimar o estatuto artístico das obras periféricas ao conceito de arte.
Entretanto, afirmações segundo as quais a arte ultrapassou as fronteiras de toda determinação possível são, ao contrário do seu conteúdo supostamente definitivo e universal, determinadas por uma mentalidade que se espanta demasiadamente com o presente e se torna incapaz de analisá-lo com clareza.
A superação de estruturas e ideais artísticos, cuja expressividade se encontra sempre restrita a um contexto, caracteriza toda a história da arte, e creio que o que hoje ocorre na arte não é radicalmente diferente do que sempre ocorreu. Talvez um aumento quantitativo desse movimento, decorrente das novidades técnicas do nosso século, do maior número de artistas concorrendo ao mesmo espaço, ou da aceleração do ritmo criativo sustentado pelos modos de produção do capitalismo, seja algo razoavelmente defensável. Mas, compreender a arte contemporânea como um estágio derradeiro da história que, ultrapassando todas as determinações e expectativas, escapa a toda definição, é um exagero característico de quem analisa sua própria época.
No domínio da teoria, creio que chegamos, realmente, num ponto limite: afirma-se, contando, ademais, com um grau elevado de concordância, que tudo pode ser arte. Mais do que isso é impossível afirmar. Mas a produção da arte acompanhou essa transposição ao infinito no nível teórico do conceito de arte? Certamente que não. Há um caminho desconhecido, cuja limitação da imaginação humana jamais permitirá que seja espiado antes de se tornar concreto, e que deve estar contido, de forma virtual, numa teoria estética.
Nesse sentido, acredito que o único modo de, reservando um lugar para a imprevisibilidade da arte contemporânea, explicar a realidade da arte se dá por meio da relação entre o sujeito e a obra de arte. Investigar o modo pelo qual nos relacionamos com o objeto artístico, independentemente da sua constituição física, social e semântica, é a melhor maneira de pensarmos o conceito de arte, revelando aquilo que lhe é particular da sua experiência, sem, no entanto, restringir o seu espaço criativo.


Desenvolvimento

Como se define um conceito (se se quer bem realizar alguma tarefa é essencial que se pense na constituição mesma do seu realizar)? Tradicionalmente, encontrando propriedades definitórias, isto é, identificando certo número de propriedades essenciais que um objeto deve necessariamente possuir. Posteriormente, podemos ainda considerar um método ligeiramente distinto, segundo o qual, a partir de um conjunto dado de objetos, buscar que características estão presentes em cada um desses objetos e que, simultaneamente, não se encontra em nenhum objeto que não pertença ao conjunto. Indo adiante, podemos ainda dispensar completamente a procura por propriedades e eleger o próprio conjunto como a definição do conceito, ou seja, a mera aplicação do conceito e o conjunto de objetos aos quais, neste uso, constituem sua referência, consiste precisamente na sua definição.
Não creio que tenha alguma relevância avaliar cada um dos métodos de definição segundo um juízo de valor, cada um tem uma função específica e, de acordo com suas vantagens e desvantagens características, se tornam útil em alguns casos e inúteis em outros. Para as ciências naturais, cujo objeto é dado e a relação pela qual se apodera deste objeto é puramente descritiva, identificar propriedades definitórias, por mais epistemologicamente questionável e metafisicamente antiquado que pareça, é o modo mais eficaz de compreender e organizar o domínio da realidade que lhe é próprio. No entanto, já para objetos artificiais e, ademais, constantemente em modificação, a tentativa de encontrar tais propriedades é completamente inútil, até prejudicial, já que ao invés de compreender a natureza flexível de seu objeto o imobiliza dentro de seus limites semânticos.
O conceito de arte, portanto, só pode ser definido através da mera exposição do seu conjunto, já que encontrar propriedades que lhe sejam próprias se mostrou definitivamente impossível em pleno século XXI. O privilégio disso é claro: o conceito de arte pode ser modificado à velocidade em que ela ganha novos produtos. Sem uma propriedade através da qual se avalia previamente a inclusão de um determinado objeto ao domínio do conceito de arte, por princípio, qualquer objeto tem o direito de ser arte. Ademais, a arbitrariedade desse processo de definição se apresenta inteiramente homomórfico ao próprio processo criativo da arte.
Semanticamente, é o método mais seguro e objetivo, satisfaz exigências epistemológicas razoavelmente rigorosas já que a capacidade de uma sentença ser verdadeira ou falsa, e o conjunto formado por este dado, é empiricamente detectável. Mas que informação relevante uma definição assim nos transmite? Na medida em que o conceito de arte deve, ao menos em potência, ser tão grande quanto à própria noção problemática de ser, pois a máxima “tudo pode ser arte” consolidou-se de tal forma na arte contemporânea que nenhuma teoria estética tem mais o direito de contrariá-la, o conceito de arte perde todo seu conteúdo determinado. A lei da relação inversamente proporcional entre o conteúdo de um conceito e a extensão de seu domínio nos obriga a repensar a importância de definir arte dessa maneira.
Se a definição de arte aqui se encerra, isto é, se o limite da possibilidade de definição do conceito de arte consiste na mera exibição de seu domínio, que aponta para a totalidade do ser, ela é completamente inútil. Há, no entanto, no próprio desenvolvimento da definição, algo ainda mais esclarecedor. O critério, mesmo empírico, que estabelecemos anteriormente para definir o conceito de arte, segundo o qual “tudo pode ser arte”, esconde uma idéia extremamente importante que se encontra precisamente no termo “pode”. Me parece que a contingência expressa pelo verbo “poder” caracteriza de forma mais significativa o conceito de arte que o próprio “tudo”, ao qual primeiramente direcionamos a atenção.
O fato de que a consideração de um determinado objeto enquanto obra de arte depende de algo exterior, isto é, que as suas determinações intrínsecas não são suficientes para qualificá-lo segundo seu caráter artístico, reorienta a investigação acerca do conceito de arte para um domínio inteiramente diferente.
Usualmente se coloca a possibilidade de, deslocando um objeto qualquer do seu contexto originário, no qual nossa percepção se encontra inteiramente preenchida pelas determinações utilitárias com que nos relacionamos com a realidade no exercício normal da vida, convertê-lo numa obra de arte. Isso a experiência mesmo nos comprova, o século XX já explorou exaustivamente essa possibilidade. Mas será o contrário também verdadeiro? Será uma “autêntica” obra de arte vulnerável à desautorização de seu valor artístico? Bem, o legado histórico de um objeto é decisivo para seu reconhecimento enquanto obra de arte, de modo que retirada sua história seu caráter artístico também se encontra ameaçado. Analogamente ao radical esquecimento, a reprovação do contexto histórico no qual as obras nazistas foram produzidas, e sua conseqüente carga semântica negativa, provocam também uma grande resistência na exposição e apreciação dessas obras. Embora os dados factuais expressem uma tendência contrária, na qual objetos ordinários, pelo mero fato de conter um percurso histórico, são naturalmente aceitos como obra de arte, independentemente de sua função originária e seu valor estético, a possibilidade, embora remota, de uma obra de arte perder completamente seu reconhecimento artístico existe.
Basta, portanto, que se percam as referências que regem o modo pelo qual devemos apreender um determinado objeto para seu valor artístico se tornar suspenso. Pelo menos até que alguém nos diga que se trata de uma obra de arte. A afirmação “isto é arte!”, de certo modo tautológica, até mesmo imperativa, estabelece uma espécie de manual de instruções que orienta e determina a percepção. Sua verbalização é, no entanto, irrelevante, o mesmo conteúdo aparece também na dimensão meramente prática quando, por exemplo, usamos um objeto com fins decorativos, quando produzimos ou nos apoderamos de objetos que julgamos ostentar certa beleza, ou, obviamente, quando levamos um objeto para dentro de um museu ou uma galeria. Todo o domínio de indivíduos envolvidos no mundo da arte contribui no reconhecimento do que é arte, isto é, na emissão da afirmação, verbalmente ou não, “isto é arte!”. Desde o domínio da produção artística à ordem da recepção, com todos os seus complexos campos intermediários, possuem igual legitimidade nesse juízo.
Mas em que consiste exatamente essas “instruções”? Essa é a única questão que realmente interessa para a definição de arte, isto é, investigar qual é o modo pelo qual apreendemos um objeto quando tal recepção se encontra determinada pela estrutura espectador/obra de arte. Sem a ontologia subjetiva que Kant dispunha para analisar o juízo de gosto, a determinação da relação entre o sujeito e a obra de arte se torna certamente menos objetivável, mas sinto-me plenamente seguro quanto à determinação de um aspecto: ela encontra-se na ordem da percepção.
A fim de caracterizarmos o domínio da percepção e a forma da experiência que temos com a arte, que consiste no núcleo da experiência estética, podemos recorrer ao que já foi, de certo modo, consolidado como o sentido geral de “experiência estética”: a ausência de um conceito de fim, a suspensão das determinações funcionais e utilitárias, a desconsideração do conteúdo informativo e exclusivamente racional, o caráter contemplativo, o distanciamento perante a existência do objeto, a apreensão enquanto fim em si mesmo, a integral imersão na realidade própria da obra, etc.
Por um lado, a arte contemporânea tenta, assim como grande parte da literatura acerca da arte, contrariar essa “pureza” estética, que acredito estar na essência da experiência com a arte. A própria noção de arte conceitual, cujo aparecimento ocupa um lugar central na arte contemporânea, parece contradizer em sua própria formulação a idéia de que a forma, a aparência, e, conseqüentemente, o domínio da percepção, seja prioridade na arte. A atribuição de significado a um objeto, sua recém-adquirida carga semântica, o que reivindica do espectador um papel intelectual ativo, superaria, nesse sentido, a ordem perceptiva pelo qual apreendemos a obra de arte.
Não creio, no entanto, que esta tese seja eficaz em acomodar e ordenar uma parte significativa da experiência que temos com a arte. Sua validade se restringe a uma certo domínio dos produtos artísticos, aqueles que oferecem uma clara abertura interpretativa. Alem disso, o que penso mais revelar a fragilidade desta teoria, é o fato de se referir a aspectos da experiência cuja importância para a arte é mínima, identifica uma fragmento da experiência, que de fato está ali, mas que não diz respeito à particularidade da relação espectador/obra de arte.
Identificar um significado numa obra de arte resume-se a um esforço de leitura que, embora legitimo, poderia ter como ponto de partida qualquer outro objeto. Um texto de caráter estritamente filosófico, sem nenhum interesse estético, poderia originar e construir pensamentos cujo conteúdo seja análogo, por exemplo, ao venerado mictório de Duchamp. Obviamente, o texto e a “escultura” não expressam este pensamento da mesma maneira. Cada um, segundo sua natureza, seu meio, sua linguagem impõe suas particularidades. O texto filosófico privilegia a clareza, a profundidade, a fundamentação, etc. A linguagem pela qual a obra de Duchamp se concretiza não dispõe de nenhuma dessas características, em oposição, a subjectividade permitida pelo caráter interpretativo dessa relação e a crueza e o impacto da imediaticidade da experiência estética constituem algumas vantagens exclusivas da linguagem artística.
Obviamente, para fins específicos, como a tentativa de comunicar algo cujo conteúdo se encontra censurado dentro de um sistema político repressor, para explorar aspectos da subjetividade humana que escapa ao discurso científico, ou transmitir uma mensagem cujo choque e agressividade sejam uma exigência intrínseca ao próprio conteúdo, é perfeitamente possível se defender a superioridade da arte como meio de informação e conhecimento. No entanto, acho difícil negar que um texto livre de exigências estéticas tenha maior capacidade de comunicar um conteúdo de forma íntegra, rigorosa e objetiva. Seria, portanto, absurdo supor que o valor da arte esteja no conteúdo que expressa, no conceito ao qual foi destinado a representar. Contrariamente, penso que é pelo modo como ela expressa algo, independentemente de que conteúdo seja, que se fundamenta o valor da obra de arte. O modo como um objeto expressa algo, o seu meio, a sua forma, nos obriga a reorientar o discurso estético para sua própria linguagem, e, mais uma vez, recuperamos a caráter perceptivo da experiência com a arte.
No interior dessa tese, a arte contemporânea ganha uma nova imagem. A arte conceitual perde, é verdade, parte de seu interesse artístico. Isso não significa, no entanto, um manifesto contra a importância dessas obras, mas uma mera relocalização de seu valor. De fato, sempre achei que o mictório de Duchamp seja mais filosofia da arte do que propriamente obras de arte, isto é, que seu valor se encontre menos no domínio percepção do que como meio de comunicação de uma teoria.
A apropriação de objetos cujo valor artístico era antes inexistente, ou imperceptível, possui, portanto, por um lado, (1) um valor filosófico e teórico de redefinição e ampliação do conceito de arte, que acredito ser, ademais, superior a alguns textos filosóficos cuja obscuridade e hermeticidade lhe conferem mais interesse poético que teórico; por outro lado, (2) um valor propriamente artístico, originário da percepção do objeto. Nesse sentido, o expressionismo abstrato, e a arte moderna em geral, encontram maior refúgio no interior dessa teoria, na medida em que sua atividade, auto-reflexiva, consiste em explorar e reinventar uma realidade própria que revela a particularidade da linguagem pictórica.
No entanto, creio que a arte contemporânea em sua totalidade (não me refiro, obviamente, à totalidade das obras, mas a multiplicidade de movimentos e formas de expressão) encontra um espaço acolhedor no interior desta idéia. O caráter híbrido das obras, constantemente contrariando o isolamento das linguagens artísticas, a inclusão democrática da atividade de sentidos desvalorizados (o olfacto e o tacto), a livre apropriação de novos meios técnicos, o que fornece à arte uma materialidade cada vez mais vasta, são algumas novidades importantíssimas da arte contemporânea que habitam o domínio da percepção.
O mictório de Duchamp, no entanto, se encontra ameaçado, seu valor estético é, na verdade, questionável e vulnerável. De fato, penso que, para o domínio da arte, sua obra tem uma importância prioritariamente indireta. Na medida em que desempenha um papel fundamental na história da arte, abre um espaço inteiramente novo e rico para a criação artística.
No entanto, as colagens de Picasso, por exemplo, que exercem uma análoga apropriação de objetos (tickets e recortes de jornais, igualmente desprezados dentro das suas funções originárias), conseguem compô-las de tal modo que um interesse estético também determine parte da experiência com a obra. Obviamente, a extensão teórica das colagens de Picasso não atinge, como a obra de Duchamp, questões acerca da originalidade e da autenticidade, cujo questionamento se mostrou fundamental para a arte contemporânea. Mas isso consiste, como tentei expor, num outra categoria de valor.
Questões acerca dos limites do conceito de arte já não motivam decisivamente a produção artística contemporânea, a possibilidade de tudo ser arte já consolidou-se e reafirmar isso não nutri mais interesse artístico. Mas os problemas teóricos acerca da legalização irrestrita do ato de apropriar-se de um objeto só puderam ser colocas e explorar a fundo pelo contexto fornecido com a arte contemporânea. Embora já estivessem presentes na arte desde muito antes, a apropriação parece continuar a provocar questões relevantes para a arte.
A apropriação surge no centro da discussão acerca da definição de arte, já que consiste justamente no ato de transitar objetos pela fronteiras do conceito de arte. Na Pop Art, no entanto, a apropriação incorpora um significado mais amplo: dois conceitos até então fundamentais à concepção de arte se encontram ameaçados. Em primeiro lugar, o conceito de autoria deixa de determinar a produção artística: não é mais necessária destreza técnica na fabricação da obra e nem mesmo que ele seja feito pelo artista. A produção serial e automática que rege a indústria, e o mundo contemporâneo em geral, pode ser também reivindicada no fazer artístico. Em segundo lugar, o conceito de autenticidade é abandonado. Num mundo em que a existência serial das coisas sufocou toda singularidade e individualidade, não faz mais sentido a arte insistir em valorizar e originalidade.
Podemos destacar ainda uma terceira possibilidade de problemática levantada pela apropriação na arte contemporânea. Esta, talvez, ainda mais fundamental, tanto por ter sua origem na arte contemporânea, quanto por levantar questões teóricas que dizem respeito ao domínio da percepção. Refiro-me ao conceito de objeto como resultado da atividade artística. A arte contemporânea levou essa questão às ultimas conseqüências: dispensando completamente a fabricação da obra, os meros planos, a idéia, passou a ocupar um “espaço” no museu.
Mas não precisamos ir tão longe por agora. O modo como o novo realismo, com artistas como, por exemplo, Raymond Hains, Jean Tinguely e Arman, desempenha sua atividade artística nos permite colocar a questão por outra perspectiva: não por abandonar a produção do objeto, mas ampliar a noção dos limites deste. Penso que o grande mérito do novo realismo se encontra precisamente na capacidade de ampliar a experiência estética para além do contato direto com a obra.
O ato de levar a realidade para o domínio da arte, transfigurando a banalidade do modo como lidamos com os objetos no mundo numa experiência estética, faz surgir um movimento de direção contrária, que vai da arte para a realidade: a relação que temos com realidade também é alterada pela arte. A obra de arte não mais se encerra na unidade de sua superfície, mas, ultrapassando seus próprios limites físicos, se estende para todo o mundo quotidiano. Uma parte da realidade é introduzida na arte, mas, simultaneamente, a arte também se inscreve na realidade. É nesse sentido que o novo realismo nos permite pensar na noção de extensão da obra de arte, a noção de objeto como encerrando em si mesmo o resultado do fazer artístico.
Isso tudo determina o domínio da percepção. A obra mesma permanece intacta, presa nos limites de sua materialidade. É unicamente pela modificação do modo pelo qual nos relacionamos com os objetos que permite a obra de arte estender sua existência para além de sua materialidade.


terça-feira, 8 de novembro de 2011

Missus Beastly - Missus Beastly 1970



    Estou sem computador e não posso elaborar nada muito grande pra colocar no blog, então aí está um bom álbum que escutei recentemente nas músicas que já possuía mas que não havia conferido muita atenção. Este álbum também é chamado de "Nara Asst Incense" e trata-se de um excelente blues-rock feito, obviamente, com um atmosfera de Krautrock.

domingo, 16 de outubro de 2011

Música Portuguesa e Qualidade são conceitos sem objetos em comum?

     

       Já fez um mês e meio que estou morando em Coimbra, e, na medida do possível, pesquisei intensamente a música de Portugal. Obviamente, um mês não é tempo suficiente para conhecermos a produção musical de um país, muito menos para julgá-las. Mas aqui está um juízo provisório do que eu mais gostei até agora, até o final da minha estadia postarei mais álbuns, possivelmente contrariando minha lista inicial. Não acho que estou completamente errado quanto a esses álbuns, creio que todos merecem ser escutados com atenção, e se tiver errado em algum, ou alguns, me perdoem. De qualquer maneira, a questão originária desse comentário, acredito eu, está plenamente respondida: há, ao contrário do que nós, brasileiros, julgamos, música boa em Portugal! Obviamente, nenhum brasileiro minimamente consciente afirmaria o contrário, mas seu juízos de valor se estendem para além do mero discurso, se encontra também no domínio da atividade, e é inegável que a maioria dos brasileiros nunca desempenharam um papel ativo a fim de conhecer a música portuguesa.
   Nesta seleção se encontram álbuns de estilos diversos. Portanto, se não quiserem ser surpreendidos, pesquisem algo a mais antes de escutá-los (sugiro, contrariamente, que escutem todos, independentemente do estilo, pois o verdadeiro gosto deve estar além de categorias).  Aproveitem, gastei uma tarde inteira para preparar esta postagem e espero profundamente que alguém no mundo aproveite o resultado do meu trabalho!


Carlos Paredes - Guitarra Portuguesa 1968


José Mário Branco - Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades 1971


José Afonso - Cantigas do Maio 1971


Rão Kyao - Malpertuis 1976


Banda do Casaco - Hoje há Conquilhas, Amanhã Não Sabemos 1977


Fausto - Por Este Rio Acima 1982


Sei Miguel - Breaker 1988


Osso Exótico - I 1990


Carlos Maria Trindade e Nuno Canavarro -  Mr. Wollogallu 1990


Wraygunn - Ecclesiastes 1.11 2006


Linda Martina - Olhos de Mongol 2006


The Allstar Project - Your Reward... A Bullet 2007

Free Jazz em Coimbra

      Ontem, e anteontem, fui a um festival de jazz que passou aqui em Coimbra nos dias 14 e 15 de Outubro no Salão Brasil. Fui ingenuamente esperando um show tradicional e relaxante, e me surpreendi com um free jazz arrasador, algo inimaginável de se ver ao vivo na minha cidade (Goiânia). Escolhi no YouTube três vídeos para apresentá-los, respectivamente, John Edwards (contrabaixo), Paul Lovens (percussão) e Carlos Zíngaro (violino), o trio formado especificamente para esta apresentação. Os concertos, felizmente, com os mesmos músicos mas com apresentações completamente diversas, foram gravados pela editora de Coimbra JACC Records para posterior edição.








quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Limite dos Conceitos na Arte




Introdução

Em que medida um esforço de conceituar a realidade da arte nos ajuda a compreendê-la, e, a partir de que ponto os conceitos que adquirimos a partir dessa análise prejudicam uma percepção válida da arte? Isso significa perguntar também: qual as fronteiras do uso dos conceitos para falarmos da arte? E o alcance de uma questão assim é extremamente vasto, se comunica com questões fundamentais da filosofia da arte e, o que é igualmente importante, com questões recorrentes que surgem no nosso contato direto com ela.
Qual o limite da capacidade descritiva da linguagem? Como a arte escapa ao discurso? É possível definir o conceito de “arte”? Definir estilos, escolas, tendências, gêneros, auxiliam ou inibem nossa compreensão da arte? Nossa experiência com a arte pode ser alterada por um esforço de conceituação? O discurso alcança o valor da arte? É possível estabelecer regras à arte? Estas são algumas das questões que, ao meu ver, diretamente se relacionam com as questões elaboradas.
No presente ensaio restringirei minha análise para a questão da valoração, e minha tese consiste na ideia de que quando abstraímos da arte conceitos e falamos deles independentemente da obra em que ele se encontra instanciado temos de suspender qualquer carga valorativa do discurso.


O conceito e a obra

A tentativa de encontrarmos uma característica presente na obra de arte que justifique seu valor, embora por vezes produza argumentos convincentes, é perigosamente enganadora. A radicalidade dessa via de pensamento abre espaço para conclusões que devem ser afastadas por princípio. A ideia de que é possível encontrarmos características por meio das quais uma obra se torna boa, e que uma investigação nesse sentido constitui o conteúdo de uma regra capaz de reger a criação artística e o juízo de valor, contraria, no nível mais fundamental, grande parte da experiência que temos com a arte.
O fato é que, com um bom histórico de experiência com determinado domínio da arte, somos capazes de dar bons palpites acerca do motivo pelo qual uma obra de arte se torna boa, o que justificaria a constante insistência na tentativa de buscar na arte uma fórmula de seu valor. Nos tornamos capazes, através da experiência, de distinguirmos e identificarmos elementos numa obra de arte que fazem dela uma boa obra, isto é, somos capazes de localizarmos onde se concentra, no interior dela, algo que merece destaque. Obviamente, isso não é uma constante, não é raro admirarmos uma obra de arte em seu inexplicável “todo”, mas caracteriza boa parte da relação que temos com a arte.
O caráter essencialmente especulativo dessas afirmações não impede sua capacidade de, de algum modo, explicar a realidade da arte. Palpites descomprometidos também fazem parte da compreensão que adquirimos da arte, na medida, é claro, que permanecemos conscientes da sua imprecisão. O poder explicativo de uma teoria é tudo que podemos esperar dela. E, se isso é verdade para teorias científicas, nas quais o grau de exatidão pode ser reivindicado com maior rigor, na estética esse critério de verdade deve ser mantido com toda força.
Creio, portanto, na ideia de que, com algum nível de significatividade, podemos refletir a obra de arte a fim de encontrarmos, no seu interior, razões específicas de seu valor. Mas o fato de ensaiarmos encontrar características que potencialmente atribuem valor à obra não tem implicações óbvias. Um pensamento nessa direção deve ser cuidadoso e conhecer bem seus limites.
Permanecemos ainda dentro no campo da significatividade quando, em contato com uma obra, indicamos uma determinada parte dela como objeto específico de um juízo de valor. Mas encontra-se precisamente aqui o limite dessa via de pensamento: afirmar o que, no interior da obra, funciona bem e a “torna” boa, isto é, ajuizar acerca de uma parte da obra sem excluir, no entanto, sua singularidade como plano de fundo do juízo.
Identificar, destacar e conceituar características numa obra de arte implica em afastarmos dela, desligarmos de sua singularidade, deixarmos de percebê-la diretamente. De fato, o próprio objeto do discurso deixa de ser diretamente a obra de arte. Mas isso ainda não constitui um problema se tivermos consciência de que o valor que atribuímos ao conceito pressupõe sua relação com a obra. No entanto, o que usualmente ocorre nesse estágio de raciocínio é a eleição da própria característica como boa em si mesmo, independentemente da obra na qual se encontra instanciada.
Talvez seja mais correto reformularmos a afirmação de que uma determinada característica torna a obra boa, já que não é propriamente ela que oferece valor a obra, para algo como “o modo como essa característica é usada nessa obra é boa”, ou mesmo, na forma inicialmente anti-intuitiva, “a obra torna essa característica boa”.
Na prática, isto é, na experiência direta com a arte, a postura que um pensamento assim sugere é simples: Não perder a obra de arte de vista, compreender que o juízo de valor, em ultima instância, se refere a sua singularidade, e que qualquer que seja o conceito em questão ele só tem valor pelo modo como é instanciado na obra.


O bom como conceito de primeira ordem

Para a constituição de um discurso propriamente filosófico, no entanto, devemos reformular a questão a fim de transportá-la para um nível mais geral e fundamental. Quer dizer, se isso realmente determina o modo de investigação filosófico é coisa que ultrapassa minha autoridade para afirmar, mas creio que é um movimento que caracteriza boa parte da filosofia.
Minha afirmação inicial, cuja verdade se funda exclusivamente na experiência e seria inútil tentar demonstrá-la, consiste no fato de que todo o valor da arte, isto é, se se aceita algum tipo de valoração na arte, encontra-se no particular, na existência mesma da obra. Ela é o único objeto direto possível de um juízo de valor (estético), é à singularidade de sua existência que se refere o valor.
A constituição do juizo, e isso inclui os juizos de valor, pressupõe o uso de um predicado, um temo geral. Dispensando explicações mais específica do modo como compreendo a constituição interna da sentença, posso considerá-la, como no geral a filosofia considera, como formada por basicamente duas partes essenciais, o sujeito e o predicado. O espaço do predicado, quando falamos de alguma obra de arte singular, isto é, quando o sujeito da sentença é uma obra de arte, pode ser ocupado de formas infinitamente distintas. Me refiro aos conceitos que usamos constantemente num dialogo que tem como referencia a arte: simetria, lentidão, tristeza, psicodelia, ter harmonia tonal, conter cores frias, entediante, etc.
Isso constitui ainda um momento de organização da compreensão que adquirimos da obra, é um esforço de puramente encontrar conceitos para, já que esse é o único meio de falarmos de algo, nos referirmos á obra de arte. Na ausência de conceitos nem se quer somos capazes de falar de um objeto. A questão se os conceitos são claros e objetivos é nesse estágio irrelevante, o essencial é a possibilidade de falarmos de algo, independentemente do grau de exatidão que essa linguagem possui.
Os conceitos que exemplificamos até agora para descrever e compreender a arte são de primeira ordem, isto é, são conceitos cuja insaturação requer um nome para preenchê-la, ou, de uma maneira mais simples, são conceitos que falam diretamente da própria realidade.
Em seguida, podemos ainda atribuir um certo valor a esses predicados, afirmando que tal simetria ou lentidão é boa (ou talvez ruim). Podemos fazer isso com qualquer conceito, se estamos certos ou errados, ou mesmo se faz sentido falar de certo e errado nesse contexto é outra questão, no entanto, de fato afirmações desse tipo são comuns quando falamos de arte, na intenção, por exemplo, de buscar aquilo que mais se destaca e que merece maior relevância no interior da obra. E como já havia dito, creio que isso faz parte da nossa compreensão da arte.
Praticamente todos os conceitos que desenvolvemos para falarmos sobre a arte se encontra nesse nível. Tanto aqueles comentados anteriormente, que dizem respeito às partes da obra de arte, suas caractecristicas internas, sua estrutura, o estado emocional e psicológico que provoca, sua dinâmica, sua matéria, etc.; mas também conceitos que pretendem organizar e abarcar uma multiplicidade de obras, que incluem no seu domínio obras diversas segundo uma unidade.
Não há uma distinção lógica e fundamental desses dois tipos de conceito, mas não me importa se consigo ou não distinguí-los de forma consistente. No próprio uso que fazemos desses conceitos percebemos razoavelmente bem as diferenças deles: Os primeiros é como se quisessem decompor o objeto e falar de alguma de suas partes, os outros falam do objeto segundo sua semelhança com vários outros, busca-se aqui organizar vários objetos por meio de meio de uma, ou várias, caracteristicas em comum. Talvez, podemos ir mais além e distinguí-los segundo sua intenção: os primeiros pretendem falar das qualidades do objeto, os segundos da sua essência.
Exemplos da segunda categoria são: “música barroca”, “impressionismo”, “modernismo (na literatura brasileira)”, “krautrock” etc. , de modo impreciso ou não, pretendem denotar um conjunto de obras de arte segundo uma unidade, uma localização geográfica, uma época, um movimento, ou meras características comuns. O mesmo vale para qualquer gênero, estilo ou escola artística. Obviamente, a questão, se é o sentido do conceito que nos permite organizar as obras num mesmo conjunto, ou se, contrariamente, é a inclusão, de certa forma arbitrária, de vários objetos num mesmo conjunto que nos oferecem um sentido mais ou menos inteligível pode ser colocado em causa. Mas creio que não é necessário um posicionamento nesse sentido para prosseguirmos com o texto. Desconsiderando, portanto, a questão acerca da precisão dos conceitos e a verdade sobre sua constituição e seu sentido, uma coisa podemos seguramente afirmar: São conceitos que, mediante um sentido mais ou menos determinado, ou simplesmente uma organização arbitrária para auxiliar o discurso, pretendem classificar e denotar um conjunto de obras.
Existem ainda, ao contrário do que até agora consideramos, os conceitos de segunda ordem, que podem ser apresentados como aqueles conceitos que somente se aplicam a outros conceitos, sua insaturação já não pode ser preenchida por outro nome, mas unicamente por outros conceitos. Podemos pensá-los também como aqueles conceitos que não falam, pelo menos diretamente, da realidade, mas falam de outros conceitos. Os exemplos são variados: quando dizemos, por exemplo, que o sistema harmônico tonal é essencialmente ocidental estamos usando o conceito ocidental para caracterizarmos um outro conceito, a harmonia tonal. O mesmo ocorre em sentenças como “cores frias são calmas e acolhedoras” ou “tonalidades menores são tristes”, elas apresentam uma estrutura equivalente às sentenças constituídos de conceitos de primeiro ordem, mas, ao invés de se falar das próprias obras, falam de outros conceitos. O sentido desses conceitos são ainda mais obscuros, determiná-los com clareza é certamente um problema, mas, confusos ou não, conceitos de segunda ordem são indispensáveis para pensarmos a arte de maneira mais pormenorizada.
A questão que nos importa ser colocada agora é: onde se encontra o conceito “bom”? Ou, de forma mais ampla, em que nível está os conceitos valorativos (e isso inclui também o ruim)? O bom (e o ruim) é um conceito de primeira ou de segunda ordem? Ou ainda, o que é perfeitamente possível, ele pode ser usado tanto para predicar objetos quanto para caracterizar outros conceitos?
O bom no sentido moral pode certamente ser usado como um conceito de segunda ordem, é, pelo menos, o que intuitivamente pensamos acerca do bom moral, já que as virtudes de um homem que são boas, não o próprio homem. Sua coragem e sua honra (se apoderando dos exemplos mais conservadores, mas não menos polêmicos) são boas, e se diz que um homem é bom somente pelas virtudes que possui. Mas é perfeitamente possível concebermos o bom moral como um conceito de primeira ordem, a ideia amplamente afirmada na filosofia segundo a qual o homem é bom por natureza se trata de um uso do bom cuja referencia é a realidade mesmo, o homem. Bem como a afirmação de que a ação, a atitude concreta do homem, é que é boa ou ruim, e que a virtude do homem só pode ser avaliado mediante ela.
Bem, essa é uma questão que nunca pensei com cuidado suficiente, mas me posiciono, segundo o que afirmei de forma vaga anteriormente, a favor da ideia de que conceitos valorativos possuem sentido quando fala do que é singular, e que, portanto, são conceitos de primeira ordem. Considerando, no entanto, o fato de que afirmações no domínio da moral exigem uma preocupação com suas consequências, que podem ser extremamente perigosas, questões acerca do uso e do sentido do conceito bom se tornam completamente banais. O cuidado que com que se deve pensar as consequências dos nossos pronunciamentos morais supera absolutamente o mero exercício intelectual de elaborarmos uma teoria complexa, coerente e definitiva. Nesse sentido, se uma teoria moral funciona bem (aqui, obviamente, podemos ter inúmeras interpretações quanto ao que se trata funcionar bem) se torna irrelevante questionarmos o sentido dos termos.
A particularidade do bom, quando usado no sentido estético, é que ele é um conceito exclusivamente de primeira ordem, isto é, seu sentido se encontra restrito à relação que mantém com a realidade. A valoração é parte intrínseca da experiência com a arte, seja pelo simples sentido de agradabilidade, seja pelo gosto ou mesmo por um juízo estético propriamente dito (isto é, se realmente faz sentido distinguir esses modos de se receber a arte). A atribuição de valor, seja ela objetivo ou subjetivo, ou mesmo não declarada, está presente em toda relação que mantemos com a arte. Não há contato com a arte sem juízo de valor.
Obviamente, esta valoração não é necessariamente formalizada (ademais, acredito que isso seja até irrelevante), seja de que forma a valoração apareça ela é intrínseca à experiência estética. Receber (pela pura percepção) e julgar (há varias maneiras pela quais julgamos a arte, quando obviamente proferimos um juízo, ou também simplesmente quando agimos a favor do contato com a obra, frequentando concertos, comprando discos, etc.) a arte, portanto, é a mesma coisa, na própria percepção da obra está contido um posicionamento valorativo.
Conceitos cujo sentido consiste na atribuição de alguma carga valorativa estética, como os termos “bom”, “ruim”, “belo”, “feio”, etc., se aplicam, portanto, diretamente à obra de arte. É o próprio objeto que é bom ou ruim, e só ele pode ser, esteticamente, bom ou ruim. E isso, como já foi dito, é o mesmo que dizer: conceitos que atribuem valor estético ao objeto são exclusivamente de primeira ordem. Por um lado, isso significa restringir o próprio uso desses conceitos, sua categorização segundo conceitos de primeira ordem implica na proibição de um uso diferente; no entanto, isso também significa, ou talvez justamente por isso, restringir o sentido dos conceitos valorativos: está fora do seu domínio semântico usá-los como um conceito de segunda ordem.
Qualquer abstração e generalização que se faça a partir de uma obra de arte não carrega nada de seu valor. O que ela extrai da obra é sua forma, sua estrutura, sua ordem, isto é, algo variável e incompleto. Características são abstrações de partes de uma obra deslocada de seu todo e ,portanto, de sua singularidade, e não contém em si valor nenhum. O sentido valorativo de uma qualidade só é justificado no contato direto com a obra, e, consequentemente, é indissociável dela. O juízo de valor que tem como referencia um conceito só tem validade quando se encontra no interior de uma obra.
Não importa como precisamente se entenda a natureza do conceito, ele é sempre algo incompleto, algo que, abandonando a completude do real, pode ser associado a vários outros objeto que contenha também aquilo que preservou. Um conceito, uma espécie de objeto insaturado, pode preencher sua incompletude de maneiras inteiramente diversas, esse ambiente vazio, um espaço variável, acomoda inimagináveis possibilidades. O conteúdo ainda ausente não pode ser ignorado, sem ele devemos suspender qualquer juízo de valor. O quero dizer é simples: Uma qualidade só pode conter um valor na medida em que é instanciada numa obra, na sua abstrata natureza ela é quase que completamente neutra.
Se levarmos adiante uma investigação mais insistente, levando em consideração o fato de que o conceito contém, mesmo que pequeno, algum grau de conteúdo determinado, podemos conceber um tipo de juízo valorativo proporcional à esse fator. Não é absolutamente irrelevante o nível de determinação que se encontra nos conceitos, ele permite, mesmo que de um modo particular, um modo de julgar seu valor. Qualquer precisão é aqui abandonado, se trabalha no nível da probabilidade, julgamos as chances de, da medida em que o conceito se concretiza, originar músicas segundo o valor afirmado. Creio que a probabilidade de se originar de um conceito músicas de elevado valor é indiretamente proporcional ao seu grau de determinação, ou seja, quanto mais determinado for o conceito menor serão as chances de dar realidade boas músicas. Mas isso é o limite do que podemos ajuizar, restrito a meras probabilidades. Qualquer conceito, por mais determinado que seja, como a experiência nos prova, contém a possibilidade de originar boas músicas.
A ideia de que é possível descobrir ou inventar regras por meio das quais se determina um critério para julgar a arte, e mais que isso, uma regra para orientar o fazer artístico é, penso eu, completamente falsa, e me é surpreendente que alguém que vive no século XXI, e que já entrou em contato com a multlipicidade de objetos que somos “obrigados” a considerar arte, ainda mantenha posições desse gênero. Embora o desejo de submeter a arte à regras já não determine mais a filosofia de forma significativa, essa é uma questão que persiste presente no modo como as pessoas, de modo geral, se relacionam com a arte, e merece, portanto, uma resposta mais elaborada que um simples “isso é falso”. Acredito, no entanto, que a discussão anteriormente desenvolvida encontra um espaço fértil que se comunica com a questão acerca da possibilidade de darmos regras à arte.
Uma regra para guiar o juízo e a criação artística só poderia ter uma natureza, sua constituição só poderia ser uma, um conceito que contivesse em si mesmo um valor. A ideia de regra consiste precisamente num conceito que, mediante sua insaturação, se torna capaz de ser aplicado a casos diversos. A única distinção essencial entre a noção de regra e os conceitos anteriormente tratados é seu caráter normativo, isto é, sua intenção é, ao invés de descrever a realidade, dita como ela deveria ser. Mas a normatividade de um conceito não modifica o fato de não podermos atribuir um valor estético a ele. Isso significa, em ultima instância, que a transferência de um conceito, que é em si destituído de valor, para outra obra não garante, em nenhum sentido, um equivalente valor, ou seja, ela não pode ser conteúdo de uma regra.
O que se faz é irrelevante na arte, toda a questão do valor se reduz ao “como” se faz. Um conceito só tem valor pelo modo com que se concretiza na obra de arte, é unicamente na forma como ele é instanciado e materializado, originando uma objeto singular, que é objeto de um juízo valorativo. A prioridade do concreto, da obra em sua existência singular, proíbe qualquer discurso que se propõe como fim a constituição de regras às quais a arte deva se submeter. Qualquer juízo de valor se encerra na própria obra de arte.


quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A exigência representacional na fotografia



A arte não deve se submeter a nada de natural. Ela é, pelo menos potencialmente, melhor que a natureza, e qualquer exigência que a determine dentro de uma função representacional só tende a corrompê-la. É claro que é igualmente prejudicial exigir dela que não incorpore nada de natural. Talvez o problema mais fundamental seja, antes, impor-lhe uma função, ou quaisquer expectativas prévias. Mas se arriscasse um palpite do espaço onde a arte tende a ter maior sucesso, afirmaria, certamente, um lugar longe da natureza.
O realismo de Lucian Freud garante seu valor não na adequação à realidade, mas na estranha maneira pela qual sua pintura se afasta dela. Seus personagens encontram-se deslocados de seu cotidiano, apresentam-se quase sempre nus ou com poses que nunca fariam por si mesmos. A pose e a encenação, de acordo com minha percepção, são aspectos valiosos nas suas pinturas: elas nos fornecem uma posição privilegiada construção subjetiva dos personagens. Paralelamente, suas pinceladas, que favorecem um relevo e uma textura própria da pintura, nos lembram sempre de uma materialidade outra, não real, mas da linguagem artística. Os diálogos de Woody Allen, ou Domingos de Oliveira, na sua paranóica prolixidade ou na sua confusa ausência de linearidade nos diálogos, consegue revelar de seus personagens muito mais do que saberíamos se agissem como seres humanos normais. Esses homens que encontramos na nossa vida são, na sua maioria, entediantes e pobres demais para a arte.
Há expectativas distintas dentro do que podemos entender por naturalismo. Na pintura, a exigência do parecer natural incide, com maior força, no caráter propriamente plástico da imagem. É a textura, o exagero de detalhes, a ausência de contornos, as justas proporções, dentre outras características que são, em primeira instancia, requeridas na pintura. O universo da linguagem fotográfica recebeu tudo isso gratuitamente. Se a arte se submetesse a uma função representacional a fotografia teria substituído o lugar da pintura, ao invés de criar um novo espaço criativo, na qual uma linguagem inteiramente nova se desenvolve.
O fato das características por meio das quais a pintura se torna realista estar presente de forma dada na fotografia reorientou o foco das exigências representacionais. O caráter plástico da fotografia era inerentemente realista, e dispensava qualquer esforço ou técnica. Nesse sentido, o peso que restringia a criação na pintura foi definitivamente dissolvido. Não que a fotografia tenha reivindicado esse papel (desde que a fotografia assumiu seu papel artístico seus objetivos já eram inteiramente outros), nem que os pintores presentes no desenvolvimento da primeiras máquinas fotográficas ainda almejavam uma técnica capaz de imitar a realidade (a muito tempo a boa pintura já havia percebido que está via não chegava a lugar nenhum), mas para o senso comum, e para a sua recepção da pintura, foi determinante essa nova perspectiva. Pelo contrário, a técnica (e o experimentalismo presente em toda linguagem artística incipiente) era exigida justamente para se afastar de uma mera imitação da realidade.
A dimensão de exigências que uma visão representacional da arte impõe à fotografia, portanto, ocupa um outro espaço, não mais na plasticidade da imagem, como ocorria com a pintura, mas se caracteriza pela ideia da espontaneidade. Já que o aspecto visual da realidade já se encontra dada na fotografia, o ideal representacional transfere-se para o próximo espaço ainda indeterminado: a situação (disposição, estado das coisas) no interior da fotografia.
Talvez esse dever imposto à fotografia seja, em alguma medida, ampliado pelo fato da fotografia ser a forma de arte que se encontra inserida de forma mais intensa no exercício prático e cotidiano da vida. A espontaneidade caracteriza-se pela radicalização do ideal de representação da vida, de modo que exige-se que, a fim da situação presente na fotografia apresentar uma maior “naturalidade”, a própria presença do fotógrafo e da câmera fotográfica desapareça. Nesse sentido, o fotografo deve camuflar-se, anular-se, e sua função reconfigura-se no mero registro da situação ali presente.
De um ponto de vista mais geral o problema se reformula como a atribuição de valor aos próprios conceitos mediante os quais se compreende a arte. Qualquer que seja o conceito que usamos para falarmos e, consequentemente, compreendermos a arte deve ser absolutamente neutro. Toda valoração possível incide unicamente no particular, na existência de uma obra na sua singularidade (me perdoem a redundância). Quando deixamos de falar das obras singulares e passamos a falar dos conceitos que dela se abstrai toda a carga valorativa deve ser abandonada, isto é, quando retiramos do modo singular pelo qual uma obra de arte concretiza uma ideia o puro conceito, e passamos a dele falar, o juízo de valor perde sua referencia.
O mero fato da situação apresentada na fotografia ser espontânea não nos permite, portanto, emitir nenhum juízo de valor. É, na verdade, o modo como esta espontaneidade encontra sua realidade na obra que se coloca como objeto de um juízo valorativo. Atribuir um valor à espontaneidade em si mesmo e julgar a arte por meio desse critério significa interromper o próprio contato com a obra. Nesse sentido, um critério previamente estabelecido passa a ocupar o lugar da experiência estética, e qualquer juízo de valor que se fundamente nisso é completamente vazio.