quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Arthur Brown's Kingdom Come - Galactic Zoo Dossier 1971

Um doa cantores mais interessantes que conheço. Não vale a pena contar a história dele, wikipédia e progarchives então melhor servidos dessas informações. Basta dizer que Arthur passou por várias bandas, nas quais parece desempenhar sempre papel de "líder".
Gosto mais da Arthur Brown's Kingdom Come, que apresenta uma maior maturidade e experimentalismo.
Vale destacar, obviamente, o papel de Arthur, que utiliza sua voz de uma maneira criativa e dramática. Sua íntima relação com o teatro e sua atitude performática no palco, parece influenciar positivamente sua maneira de cantar, que não se restringe ao mero sobrepor-se aos demais instrumentos com sons de palavras que se acomodam à melodia primária. O cantar de Arthur é expressivo, no sentido mais amplo que posso imaginar, manifesta os estados de espírito e corpóreo do homem de forma imediata.
Longe do ideal de perfeição da voz, que se orientava pelo som suave e tonal dos corpos celestes, e, ainda, longe da corrompida tendência à voz rouca e desagradável valorizada na modernidade, Arthur percorre o vasta possibilidade de se usar a voz como um instrumento. Explorando desde as rejeitadas limitações da voz humana, às tentativas de expressão do que há de mais profundo em nosso espírito. Ou, contrariamente, colapsando e identificando este dois aspectos que eram aparentemente opostos.

1. Intro (0:52)*
2. Internal messenger (4:05)
3. Space plucks (2:53)
4. Space plucks (0:51)*
5. Galactic zoo (2:32)
6. Metal monster (1:46)
7. Simple man (3:06)
8. Night of the pigs (1:03)
9. Sunrise (6:49)
10. Trouble (2:01)
11. Begins (1:09)
12. Galactic zoo (continued) (3:05)
13. Space plucks (continued)**
14. Galactic zoo (continued)**
15. Creep (4:06)
16. Creation ~ Gypsy escape (7:20)
17. Noise (0:15)*
18. No time (6:13)

Bonus tracks on cd releases:
19. No STEREO efect (0:02)
20. Metal monster (1:47)
21. Space pucks (including Dem Bones) (5:51)
22. Sunrise (6:32)


- Arthur Brown / vocals
- Julian Brown / vocals
- Phil Curtis / bass
- Andy Dalby / guitar
- Michael Harris / keyboards
- Phil Shutt / bass
- Martin Steer / drums


Download http://www.mediafire.com/?qe4q4r3czx800lw

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Kevin Ayers - Whatevershebringswesing 1972


Fundou a participou do primeiro álbum do grandioso Soft Machine, começando em 69 sua carreira solo. É incrível o tamanho do legado do Soft Machine, acho que é o grupo que mais gerou boas produções com influencias e ex-integrantes com carreira solo! Ayers tem ótimos álbuns solos, pelo menos até 73 com o Bananamour, a partir do qual a qualidade de sua música começa a declinar. Mas seu álbum que mais me agrada é este, o impronunciável "Whatevershebringswesing".
O que mais me surpreende neste álbum é o contraste entre as músicas, cada música desenvolve idéias inteiramente próprias. Nos surpreendemos com momentos extremamente experimentais, e logo relaxamos com uma baladinha tranqüila e intelilível. Nos divertimos com um folk meio cirquence, e logo despencamos numa atmosfera densa e paranóica com uma guitarra distorcida extremamente criativa e bem usada (coisa rara, só King Crimson sabe usar bem uma distorção suja). No entanto, de alguma forma, a identidade de Kevin Ayers está fortemente presente em todas as músicas, mesmo que compostas em estilo completamente diferentes.
A voz dele é muito bonita. É engraçado que somos levados a imaginar uma figura humana completamente diferente do que de fato é, ele tem traços delicadíssimos, quase femininos!!


1. There is Loving/Amongst Us/There is Loving (3:04)
2. Margaret (3:20)
3. Oh My (2:59)
4. Song From The Bottom Of A Well (4:37)
5. Whatevershebringswesing (8:13)
6. Stranger In Blue Suede Shoes (3:24)
7. Champagne Cowboy Blues (3:56)
8. Lullabye (2:14)

Bonus tracks on Eclipse remaster (2003):
9. Stars (3:32)
10. Don't Sing No More Sad Songs (3:46)
11. Fake Mexican Tourist Blues (4:38)
12. Stranger in Blue Suede Shoes [Early Mix] (3:19)


- Kevin Ayers / vocals, guitar, bass
- David Bedford / keyboards, orchestral arrangements
- Mike Oldfield / bass, guitar
- Dave Dufort / drums
- William Murray / drums
- Tony Carr / drums
- Robert Wyatt / vocals (5)
- Didier Malherbe / saxophone, flute
- Gerry Fields / violin
- Johnny Van Derek / violin

Mediafire - Parte 1
Mediafire - Parte 2

Area - Event '76 1976

Meu álbum preferido do Area, embora eles tenham uma carreia longa e interessante. Este álbum apresenta muito mais do que eles exploraram nos álbuns de estúdio, eçe é extremamente experimental e explora muito tendencias dissonantes, que causam estranheza a princípio.


1st part:
1. Caos IInd part (20:15)
2nd part:
2. Caos IInd part (9:18)
3. Event '76 (9:27)

Total Time: 39:00

- Patrizio Fariselli / prepared piano
- Steve Lacy / soprano sax
- Paul Litton / percussions
- Demetrio Stratos / vocals
- Paolo Tofani / guitar, Tcherapnin synthesizer

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Pensamentos Hamusianos Acerca da Música




Lucas Silva Hamú
Universidade Federal de Goiás


Resumo
Quando falamos de música e/ou das demais linguagens artísticas, somos obrigados a reduzir nossos juízos a meras opiniões triviais e vazias de objetividade, ou nos restringirmos a um domínio cultural específico para só então arriscarmos uma atribuição de valor qualquer?
Devemos, pela ausência de critérios objetivos ou por uma crença banal de que tudo é relativo, abandonar qualquer afirmação que diz respeito à qualidade da obra de arte, mesmo que isto transgrida todas as nossas intuições estéticas?
Estas são questões que me afligem profundamente. Nunca aceitei uma teoria na qual a sentença geral de que tudo é relativo é o lema que orienta toda interpretação do mundo. Penso e mantenho, portanto, que há música boa e música ruim, por mais difícil que seja sustentar tão forte idéia, e é esta posição que pretendo defender em meu trabalho.
Não pretendo estabelecer uma listagem hierárquica contendo musicas rigidamente ordenadas segundo seu valor estético. Nem sequer afirmo ser isso possível. Meu pretenso projeto não se exige tanto rigor para sua legitimidade. Aliás, importar das ciências um grau de exatidão superior à exigida pela própria música só traria prejuízos a qualquer teoria a seu respeito. Procuro um equilíbrio, ainda não muito claro para mim, entre um relativismo exagerado e a conseqüente obrigação do “calar-se”, e um tratamento objetivista descabido à natureza da música.
Explicitadas minhas intenções, apresentarei as duas linhas argumentativas que pretendo adotar neste artigo: A primeira é uma análise que se orienta pela relação do homem com a música, e pretende identificar certas características que estariam vinculados à música, mas que não devem ser considerados no calculo de seu valor, chamá-los-ei de elementos externos; a segunda, contrariamente, pretende investigar quais seriam os elementos internos da música.
Para finalizar, pretendo investigar meu estilo musical mais querido, o rock (ou música) progressivo, e elegê-lo, por meio dos critérios traçados no artigo, como um estilo musical de grande valor.


Introdução
Quando falamos de música e/ou das demais linguagens artísticas, somos obrigados a reduzir nossos juízos a meras opiniões triviais e vazias de objetividade, ou nos restringirmos a um domínio cultural específico para só então arriscarmos uma atribuição de valor qualquer?
Devemos, pela ausência de critérios objetivos ou por uma crença banal de que tudo é relativo, abandonar qualquer afirmação que diz respeito à qualidade da obra de arte, mesmo que isto transgrida todas as nossas intuições estéticas?
Embora eu não conheça o bastante, me parece que os tratamentos estéticos contemporâneos abandonaram completamente qualquer intensão de valoração, restando a qualquer projeto que visa a identificação de elementos na arte que permitisse classificá-la enquanto boa e ruim, ou, melhor e pior, o status de esforço antiquado e estéril.
Estas são questões que me afligem profundamente, e nunca aceitei um pensamento no qual a sentença geral de que tudo é relativo é o lema que orienta toda interpretação do mundo. Tanto no domínio da ciência quando no da arte tenho fortes inclinações à objetividade. É claro que minha probabilidade de êxito é muito maior quando me refiro à ciência, no entanto, o aparente desígnio ao fracasso de tentar preservar certa objetividade na estética não me desmotiva. A dificuldade de levar à cabo um pensamento não justifica seu abandono. Penso e mantenho, portanto, que há música boa e música ruim, por mais difícil que seja sustentar tão forte idéia, e é esta posição que defenderei doravante.
Primeiramente, devo esclarecer que não pretendo estabelecer uma listagem hierárquica contendo musicas rigidamente ordenadas segundo seu valor. Nem sequer afirmo ser isso possível. Meu pretenso projeto não se exige tanto rigor para sua legitimidade. Alias, importar das ciências um grau de exatidão superior à exigida pela própria natureza da música só traria prejuízos a qualquer teoria a seu respeito. Procuro um equilíbrio, ainda não muito claro para mim, entre um relativismo exagerado e a conseqüente obrigação do “calar-se”, e um tratamento objetivista descabido à natureza da música.
Há um mito predominante que insiste na inflexibilidade dos que defendem um ponto de vista objetivo e, por outro lado, no extremo bom senso dos defendem um ponto de vista relativista. Não penso que este seja um estereótipo valido. Há, em ambos os lados, pessoas que, por descuido ou preguiça, se negam a cuidar e reavaliar suas posições. O problema deste mito é que ele fornece um falso álibi aos relativistas, dispensando qualquer fundamentação ou explicação de suas afirmações. No meio filosófico os mitos são reduzidos, de fato houve uma grande discussão a respeito da natureza da verdade na filosofia contemporânea, entretanto os mitos nunca são completamente abolidos, e seus resquícios continuam a orientar o pensamento de muitos.
Por outro lado, minha posição, “apesar” de pretender instalar um pensamento valido objetivamente, não se auto-afirma definitivo e imune a críticas. Pretendo mostrar com as aspas do “apesar” que o seu sentido, de sugerir uma contraditoriedade ou estranheza interna da sentença, é mal colocado. Isto é, somente um pensamento que honestamente se apresenta como pretensamente objetivo está propriamente acessível e vulnerável a objeções. Penso que o caráter de orientar-se pelo que é definitivo e universalmente válido do discurso objetivista é a pré-condição para a acessibilidade a críticas e, portanto, condenável à revogação e reformulação.
Deve-se ainda esclarecer que, o fato do objetivo deste artigo ser falar sobre música, o valor da música não depende, em absolutamente nenhum aspecto, de qualquer analise póstuma. Tento traçar uma distinção radical entre o ato de apreciar uma música e um processo ulterior de interpretação ou análise.
O apreciar é pré-racional, isto é, por princípio, não exige nenhum esforço intelectual, mas uma pura orientação da atenção. O que desejamos fazer aqui, analisar e avaliar, se possível, o valor da música, apesar de me interessar bastante, é completamente dispensável para a apreciação da música. Qualquer processo racional que envolve música significa, em suma, ultrapassar o domínio do prazer para falarmos da razão de seu aparecer.
Esta distinção entre o ato apreciativo e a analise da obra de arte é extremamente importante para eliminarmos um direcionamento equivocado ou um deslocamento do valor da música. Há tanto na música como nas demais linguagens artísticas, talvez principalmente no cinema e na literatura (além da música, é claro), uma tendência a afastar-se da manifestação estética e reorientar-se para o pensamento expresso pela obra. Tal atitude não é condenável, o ato de privilegiar e escolher os elementos que melhor afetam o gosto individual é, em alguma medida, subjetivo. Entretanto, no presente projeto, que se preocupa unicamente com o valor estético da música, isto é, a música somente enquanto arte, não inclui no calculo qualquer elemento teórico que a obra possa apresentar.
Explicitadas minhas intenções, apresentarei as duas linhas argumentativas que pretendo adotar neste artigo: A primeira é uma análise que se orienta pela relação do homem com a música, e pretende identificar certas características que estariam vinculados à música, mas que não devem ser consideradas no cálculo de seu valor, chamá-los-ei de elementos externos; a segunda, contrariamente, pretende investigar quais seriam os elementos internos da música.
O primeiro procedimento se preocupa com um exame comportamental, talvez histórico, do homem quando se relaciona com a música, ou, equivalentemente, com a forma que os grupos sociais se interagem com determinados estilos musicas (comportamento musical). Através deste tipo de investigação pretendo fundamentar uma distinção extremamente importante entre os genuínos casos de apreciação da música, um puro reconhecimento de seu valor, e um processo de atribuição de valores não estéticos à música, um cálculo que confunde e inclui à música elementos externos à própria obra.
O segundo argumento se refere exclusivamente à música. Pretendo, nesta parte, identificar os elementos que constituem a música, isto é, desvendar os motivos legítimos do aparecer de um efeito estético. Estes elementos formariam, por assim dizer, a estrutura fundamental que autorizaria e governaria, em alguma medida que ainda desconheço, a quantificação do valor estético da música.


O gosto
A análise de como o homem interage com a música requer uma discussão anterior e mais fundamental sobre a natureza do gosto. Desta definição se extrai uma distinção extremamente importante entre o gostar e o apreciar, que ulteriormente explica o processo de atribuição de valor não estético a musica. O que é o gosto? O bom sempre se reduz ao gosto? Como se forma um gosto? Como se comporta o homem quando diz gostar de algo? Há um gosto específico relacionado à arte? São estas as principais perguntas que iniciam e orientam esta sessão.
Não temos motivos relevantes para dispensar os conceitos que habitualmente usamos nas línguas naturais quando pretendemos falar de música. Termos como “bom” e “ruim”, “gosto”, “apreciação”, apresentam ambigüidades de fácil acesso e resolução. Tentarei, portanto, simplesmente explicitar e delimitar melhor seus significados.
Quando afirmamos que uma determinada música é boa, o que queremos dizer com isso? Em geral, uma sentença deste tipo poderia ser interpretada de duas maneiras completamente distintas: O “bom” pode se referir unicamente à música, atribuindo assim simplesmente uma qualidade a ela, independente de qual interpretação adotamos para explicar a noção de ‘atribuição de qualidade’; ou o “bom” pode se referir ao ouvinte, ou, mais especificamente, à relação do mesmo com a música, afirmando, portanto, que o contato da música em questão com o ouvinte gera algum tipo de prazer, ou que simplesmente o afeta de forma positiva. Adotarei, doravante, a primeira opção.
Deve-se esclarecer, no entanto, que não estou ainda defendendo nenhuma posição, se trata de uma questão puramente de definição. Definir “boa” como um conceito que se aplica a música nela mesma, não implica necessariamente que haja objetos que satisfaça tal propriedade, nem que tal conceito é significativamente utilizável. Mas acredito haver razões suficientes para escolher a primeira opção: Há outro termo que já usamos intuitivamente para designar a segunda opção, a saber, o termo “gostar”. Gostar é perfeitamente adequado para designar o tipo de relação que queremos, isto é, a relação de prezar ou afirmatividade do homem em relação à música. Dizemos que gostamos de uma música quando o ato de escutá-la gera algum sentimento prazeroso.
A carga subjetiva que o termo “gostar” carrega é intuitivamente forte, além de ser assumida por uma grande parte dos falantes do português. Percebemos, ademais, a apropriação da distinção anteriormente feita entre o ato de gostar e o juízo de valor no próprio discurso cotidiano, embora muitas vezes de forma irrefletida. Vale ressaltar que esta distinção se baseia justamente no caráter subjetivo apresentado pelo primeiro em contraste ao maior grau de objetividade que sugere o segundo.
Não raro, vemos alguém, a fim de rever a posição dada anteriormente a respeito do valor positivo de uma obra de arte, afirmar: “Sou suspeito, gosto muito do artista”. O sentido é simples, a pessoa afirma sua incapacidade de julgar o valor de uma obra de arte pelo fato de gostar dela, o que, além de indicar uma clara distinção entre um juízo de valor e o ato de gostar, e que, em alguma medida, o gostar inibe um autentico juízo de valor, sugere a idéia de que o gostar (que ostenta um caráter subjetivo pelo fato de ser propriedade exclusiva de um indivíduo), pode não coincidir com um juízo de valor positivo, isto é, faz sentido falarmos de alguém que goste de uma obra de arte apesar de não achar que ela seja boa e vice-versa.
Nesse sentido, podemos nos desviar do velho dito popular “gosto não se discute” de uma forma inteligente e extremamente simples: Que seja verdade! No entanto, o fato de não condenarmos nem validarmos o gosto não significa que não podemos discutir o valor da obra em questão.
Assumindo, portanto, a distinção entre o ato de gostar e o juízo de valor, podemos aproximar da questão com mais clareza. Reinterpretamos a questão de se o “bom” se refere a uma qualidade da música ou à relação do homem com a música para: Só podemos falar que gostamos de uma música, ou, indo mais além, podemos dizer, com sentido, que ela é boa? Esta é uma questão que permeia todo o artigo, e tentarei, até onde coerentemente conseguir, respondê-la afirmativamente.


Primeiro Argumento
Como declarei acima, esta primeira parte do artigo se compromete, como ponto de partida, com uma analise comportamental do homem quando se relaciona com a música. Devemos observar, primeiramente, o comportamento do homem, ou dos grupos sociais, quando se relacionam com as músicas que dizem gostar, isto é, temos como componentes deste comportamento: De um lado, os homens, e do outro, as músicas ou estilos musicais.
Em primeira instância, é impossível negar que para todo estilo musical existem seus respectivos admiradores. Cada pessoa, de acordo com suas próprias aberturas sensíveis, privilegia um conjunto diferente de músicas, são suas músicas preferidas. Inclui neste cálculo, sem dúvida, um grande número de critérios subjetivos, e que, de maneira alguma, pretendo universalizar.
Podemos até assumir que o gosto não é algo que se adquire com a vontade, e, portanto, devemos simplesmente nos submeter a eles e aproveita-los da melhor forma possível. Por tudo isso, devemos aceitar como válido qualquer espécie de gosto, por mais agressivo e irritante que isso for às nossas intuições estéticas, e, pelo menos no que diz respeito à arte, todo gosto deve ser respeitado. Mas deixemos de lado questões éticas.
Não se trata aqui de classificar a validade do gosto, acredito não haver nenhum gosto completamente gratuito, mas de identificarmos à que realmente este gosto se refere. Não estou preocupado em legitimar ou condenar determinado gosto, mas unicamente em poder desvendar e determinar sua exata orientação. Posto, portanto, que não podemos duvidar da existência de um gosto, desprezando, é claro, a possibilidade de alguém afirmar mentirosamente gostar de alguma música, podemos reformular a questão da seguinte maneira: Que gosto se direciona realmente a música, e que gosto se direciona a elementos vinculados a ela presentes no ato de escutá-la?
Observamos, por exemplo, que determinados estilos musicais raramente são ouvidos numa intensidade sonora razoável para o ouvido humano, mas há uma necessidade, sempre vinculada ao ato de escutar a música, de tornar-se destacado dos demais (Casos em que a necessidade de atenção ou o gosto de ouvir música muito alta provém exclusivamente do indivíduo são desconsiderados. Refiro-me aqui a uma tendência que padroniza o comportamento musical, portanto, casos particulares devem ser descartados). O estado de evidência oferecido pelo volume do som parece ser, muitas vezes, mais desejado e valorizado do que a própria música.
Interpreto tal comportamento claramente como revelador de uma dependência a atrativos externos a música, possíveis vínculos que atribuem valor a música que por ela mesma é destituída. O contato “puro” com a música não proporciona ao ouvinte um grau de prazer suficiente para desenvolver propriamente um gosto, de modo que o surgimento prazer depende das relações que a música mantém com fatores externos.
Podemos ir mais além e compreender certas características em alguns estilos musicais como um direcionamento intencional a este interesse em particular. Músicas são frequentemente produzidas com freqüências sonoras que favorecem uma melhor propagação do som, e timbres que, ignorando completamente o fator estético, privilegiam a fácil identificação e memorização.
Alguém que diz gostar de uma música assim gosta realmente da música? É a música mesma que desperta este gostar? Minha resposta é obviamente negativa, isto é, nego que o gosto se orienta pela música, embora não negue que o gosto pelo ato de escutar a música não exista. O gosto se direciona, portanto, para os elementos que estão vinculados à música, no presente caso, a exibição da posse de um aparelho de som que demonstra potência e poder aquisitivo, ou a simples exibição de si como ser social supostamente privilegiado.
Este processo de atribuição de valor por meio de elementos externos a própria música ocorre de varias maneiras e graus diferentes. Tentarei identificar apenas alguns deles, aqueles de maior relevância para conseguirmos distinguir a orientação do gosto, isto é, se a origem do gosto se encontra na própria música ou nos possíveis vínculos que ela mantém.
Há, por exemplo, em determinados estilos musicais uma preocupação evidente, algumas vezes abertamente declarada, em produzir um som específico para sustentar determinadas práticas sociais, como a dança, eventos religiosos e culturais, festas e a paquera. Não é necessário entrar em detalhes sobre a particularidade destas práticas sociais, elas ocorrem de maneira bastante heterogênea, em épocas, estilos e direcionado para grupos sociais variados. Um trabalho de campo para classificá-las é totalmente dispensável, basta observarmos o comportamento musical de algumas pessoas que dizem gostar de músicas assim para percebemos que o gosto não se direciona para a própria música, mas para ao que está vincula a ela.
Pela obviedade do assunto aqui tratado argumentarei de forma breve e direta. Percebe-se que o valor atribuído à música depende destas práticas sociais por varias razões: O ato de escutá-la se restringe quase que inteiramente aos momentos em que a respectiva prática é realizada; dificilmente encontramos pessoas que, apesar de não se deleitarem com uma determinada prática, gostam da música apropriada à mesma; a completa despreocupação em aprofundar o conhecimento sobre o estilo musical e se contentar em conhecer somente aquelas músicas cujo ambiente freqüentado emite.
Apesar de se adequar bem aos dois exemplos dados acima, definir elementos externos simplesmente como ‘possíveis vínculos’ não é a opção mais apropriada. Os vínculos que uma música mantém devem ser considerados elementos externos não exatamente por estarem “fora” da música, mas, fundamentalmente, por não contribuírem com o seu valor estético, independentemente de sua localização. Pretendo, com o presente exemplo, desenvolver melhor a noção de elemento externo, elucidando o motivo de alguns elementos, mesmo se presentes na própria música, deverem ser desconsiderados do cálculo de seu valor.
Há uma tendência, quase unânime, em considerar o pensamento expresso pela música como uma das principais fontes de seu valor, isto é, uma música que possui uma letra atraente pelo pensamento que expressa é boa. Tentarei defender uma tese oposta, isto é, que tal pensamento não altera em nada o valor da música. Isso ocorre não só na música, mas também nas demais linguagens artísticas. Os expectadores exigem da obra de arte a expressão de um conhecimento que lhe é desnecessária, orientando assim sua atenção para elementos que não são próprios da arte, isto é, o conhecimento, a informação.
Minhas razões para adotar tal posição são simples, a arte não é o meio mais adequado para transmitir um pensamento (salvo situações particulares), nem se põe como prioridade transmiti-lo. Que a arte possa apresentar uma determinada teoria, como Raul e Dali fizeram, ou investigar e desvendar o interior do ser humano, como Bergman e Allen fizeram, não é questionável nem condenável. No entanto, a arte não depende desse conhecimento, qualquer informação que ela comunique se torna dispensável na medida em que seu principal intuito é simplesmente causar um efeito estético. Devemos considerar ainda que as linguagens artísticas não são apropriadas para expressar um pensamento, e esta inadequação advém justamente da arte, priorizando o efeito estético, desprezar aquilo que é essencial para a informatividade, clareza, rigor, detalhamento, extensão, etc.
A implicação que sugiro é óbvia, até patética: Se se quer considerar que uma determinada música é boa pelo conhecimento que expressa, deve-se também admitir que se usarmos uma linguagem discursiva-argumentativa, ou uma linguagem formal, de modo a expressar tal pensamento de forma mais adequada seu valor superará ao da própria música. Obviamente, não penso que esse raciocínio possa estar correto. Me parece mais razoável adotar a tese oposta, isto é, considerar o conhecimento expresso pela música algo supérfluo e dispensável, e que seu valor deve se fundamentar em outros elementos. Portanto, no intuito de reorientar nossa investigação para a música (exclusivamente enquanto linguagem artística) devemos desconsiderar qualquer pensamento expresso por ela de uma analise estética, ou seja, devemos identificá-lo como elemento externo.
Creio, apesar de não ser um motivo suficiente para abandonar a posição defendida acima, que a questão é muito mais delicada, e deve ser pensada com mais cuidado. De alguma forma, e em alguma medida, o conhecimento e o prazer se tocam na arte. Se trata de uma contato sutil, mas que se torna evidente no comportamento dos homens. Observando espectadores frente às mais diversas linguagens artísticas, podemos facilmente verificar que realmente há um certo entusiasmo em identificar na obra alguma teoria ou pensamento.
O conhecimento de fato se relaciona com a percepção que temos a obra e, consequentemente, com a reação que temos ao experimentá-la, mas creio que esta relação se dá de uma maneira específica. Por um lado, o conhecimento, que pode proporcionar uma maior compreensão da obra de arte, interage com percepção que temos do objeto artístico, gerando, portanto, uma experiência estética inteiramente nova. Por outro lado, o processo de identificação de uma teoria ou pensamento na obra de arte se mostra origem de prazer e discussão. No entanto, ambas as situações se distinguem do que normalmente entendemos por experiência estética, já que o prazer não é propriamente gerado pela transmissão de conhecimento. No primeiro caso, o conhecimento, adquirido anteriormente, de fato possibilitou ao espectador uma nova percepção da obra de arte, capacitando-o a direcionar melhor seus sentidos e sua atenção, mas o que propriamente aprimorou seu prazer foi a própria percepção da obra, e não o que permitiu a percepção. Isto é, admite-se que o conhecimento aperfeiçoa o prazer que temos da arte, mas simplesmente na medida em que resulta na alteração da percepção que temos da obra. No segundo caso, trata-se, antes, da satisfação de um desejo vaidoso de se auto-reconhecer inteligente, capaz de utilizar e ostentar suas capacidades intelectuais.
O conhecimento expresso pela obra é, em ultima analise, origem de observações, comentários e analises, e, ainda, principal alvo de muitos espectadores. Mas, se quisermos pensar a obra, enquanto linguagem artística, o conhecimento deve ser desconsiderado e reduzido à forma com que foi apresentado. A arte é o lugar onde não importa o que se diz, mas o como se diz.
Considero relevante destacar ainda um último elemento externo: a originalidade, a inovação. Observa-se uma ampla exigência, mesmo dentre pessoas que dizem privilegiar a música enquanto efeito estético, de que seja acrescentado à obra de arte não só aquilo que já foi realizado até então, mas também a inclusão de características novas, temporalmente inexploradas, isto é, que ela seja original. Nesse sentido, músicas que apresentam características que nunca foram concebidas ou executadas anteriormente devem ser, por esse motivo, privilegiadas em relação àquelas que simplesmente repetiu estilos e tendências já ultrapassadas da moda.
Podemos considerar que a presença de elementos ainda não experimentados numa musica, pelo fato de serem “novos”, contribua com seu valor estético? A novidade é por si boa? Penso que não. O novo por ele mesmo é neutro, não acrescenta nenhum valor estético a musica. Podemos, talvez, atribuir às músicas extremamente originais um valor histórico-social, mas isto é independente do seu valor estético.
O novo não caracteriza propriamente a música, mas sua localização temporal com relação a outras músicas, ou melhor, se refere simplesmente ao estado em que as músicas se organizam temporalmente com os fatos históricos conhecidos. Se se quer atribuir valor à novidade, deve-se também estar disposto a acolher conclusões tão absurdas como o fato da determinação do valor de uma música depender de sua localização cronológica em relação às demais músicas; ou que o descobrimento ou o desconhecimento de uma música possa alterar no valor de outras músicas. Me parece razoável considerar que o valor de uma música seja independente da relação temporal que mantém com as demais músicas.
Devido à sua grande heterogeneidade, a identificação deste processo de atribuição de valor por meio de elementos externos a própria música nem sempre é fácil. Nos guiamos pelo comportamento musical, mas este nem sempre se dá dentro de um padrão suficientemente determinado para extrairmos resultados seguros. A utilização de exemplos é sempre complicada, em especial quando o exemplo é ponto de partida para desenvolvermos uma determinada posição.
No entanto, apesar de usarmos o comportamento musical como o material que se serve à investigação e, portanto, origem das posições desenvolvidas aqui, seu status na argumentação é puramente catalítico, ou, talvez, no máximo, artifício de justificação e convencimento. Isto é, sua posição privilegiada na ordem da argumentação não corresponde à sua verdadeira importância. Os exemplos de comportamento musical são ilustrações de uma idéia anterior de que há um processo de atribuição de valores não estéticos à música, e que há, portanto, uma distinção a ser feita entre, elementos autênticos da linguagem musical, e elementos que devem ser desconsiderados ao julgarmos o valor de uma música.
Devemos compreender os exemplos dados de uma forma reduzida, colocando entre parênteses a extrema complexidade do relacionamento do homem com a arte, instanciada nas situações imaginadas, e as particularidades desconsideradas, e mantermo-nos num nível geral. O aspecto que nos interessa aqui é melhor destacado através da experiência mental de colocarmos nossos personagens frente ao pedido de justificação de seu gosto, e verificarmos a que realmente se refere sua resposta. É evidente que as respostas dadas se direcionariam a elementos externos. Ademais, a própria estrutura das respostas, que muitas vezes se valeriam da expressão “bom para...”, fortalece a idéia de que o motivo do gosto se encontra fora da música.
Enfim, a principal idéia a ser desenvolvida aqui se resume na tentativa de identificarmos a presença de elementos na música que não devem ser considerados ao calcularmos seu valor enquanto obra de arte, ou, mais fundamentalmente, em pensarmos nas fronteiras daquilo que propriamente compõe a linguagem musical com aqueles elementos que estariam vinculados à música casualmente.


Segundo Argumento
Abandonando qualquer intenção de fornecer justificativas sólidas a fim de fortalecer o poder de convencimento da tese apresentada, deixarei minha mente livre para pensar sobre a música sem o peso da necessidade de uma fundamentação.
Há, como foi dito, características presentes na música que não são próprias da linguagem musical: são o que chamo de elementos externos. Mas, o que seriam, contrariamente, os elementos internos? Quais características poderíamos eleger como próprias da linguagem musical? Não poderia ser nada mais, senão o som, ou mais especificamente, características resultantes de sons.
Este material primitivo, o som, é a única substancia a partir da qual podemos fazer qualquer juízo de valor acerca da musica. A extensa variedade de sons já disponíveis na natureza aliada ao o desejo de produzir instrumentos manipuláveis gerou um número extraordinário de sons extremamente delicados e específicos. A combinação dessa imensa variedade de sons, segundo uma ordem diferente, sustenta, como podemos constatar, um número extraordinário de músicas.
A natureza do som é compreendida e medida pela ciência através de quatro propriedades: Altura, intensidade e timbre. Devemos acrescentar ainda a duração, já que os sons de dão através do tempo. Não nos interessa, no entanto, investigar a natureza física do som, ou o modo que se dá sua produção e propagação, mas antes, o som na medida em que compõe a música.
A organização da duração e da altura dos sons que normalmente encontram-se com uma intensidade superior aos demais sons forma a melodia da música. A melodia consisti, portanto, nas determinações da altura e do tempo dos sons “primários” da música.
O modo em que se organiza a duração dos sons e pausas “secundários” na música determina o que chamamos de ritmo, ou, em outras palavras, as determinações rítmicas de uma música é resultado do modo em que se estrutura a duração dos intervalos dos sons e silêncios que normalmente se encontram em segundo plano na música.
Finalmente, a organização das alturas da totalidade dos sons no interior da duração da música constitui a harmonia.
Podemos constatar que as qualidades físicas do som são, por assim dizer, diluídas nos elementos que identificamos como constituintes da música, com exceção do timbre. Nesse sentido, podemos enumerar quatro elementos básicos que constituem a música: O ritmo, a melodia, a harmonia e o timbre, já que sua determinação não se incorpora em nenhum dos demais elementos.
Os elementos internos se dão na medida em que o ritmo, a melodia, a harmonia e o timbre são instanciados, isto é, eles são o efeito da forma com que os elementos constituintes da música se concretizam dentro dela. Cada música associa e realiza estes elementos de uma maneira determinada. A principio, há infinitas possibilidades de articulá-los, produzindo, portanto, infinitos efeitos sonoros, os quais denominamos aqui de elementos internos.
Podemos conceber os elementos internos como sendo, simplesmente, resultado da forma sob a qual os elementos foram organizados e estruturados. Por exemplo: A polifonia e/ou polirritmia; o uso de recursos tecnológicos; o caráter triste, agressivo, feliz, dramático, paranóico, calmo, entre outros, que as músicas expressam; a dinâmica rítmica, temática, etc.; a experimentação; os caracteres sinfônicos, secos, ruidosos ou suaves; a exploração dos limites técnicos dos instrumentos, a simplicidade ou a sofisticação; a psicodelia, o destaque ou recuo das determinações melódicas, harmônicas, rítmicas ou dos timbres; a repetição; o swing; a poesia; a reprodução ou imitação dos sons naturais; a tensão entre timbres ou harmonias contrastantes; o cuidado com a melodia; a complexidade harmônica; a preocupação com ornamentos e orquestrações;
É inteiramente dispensável conceber uma espécie de inventário, ou qualquer tentativa de listar quantos e quais são os elementos internos. Sugeri refletir acerca daqueles elementos que normalmente observo e admiro nas músicas, sem a intenção de eleger, de forma universal e definitiva, quais os legítimos elementos internos. Nem se trata de, exemplificando os elementos que julguei interessante mencionar, estabelecer alguma forma de hierarquia entre eles. Qualquer característica encontrada e admirada na música que é, exclusivamente, resultados de efeitos sonoros compete, com igual direito, ao status de elemento interno.
A objetividade do meu discurso se restringe à afirmação de que existem elementos internos através dos quais reconhecemos o valor de uma música, deixando de lado a tarefa de identificá-los e enumerá-los. A preferência por alguns dos elementos em relação aos demais ocorre subjetivamente. Trata-se de aberturas sensíveis que o sujeito desenvolve, voluntariamente ou não, tornando-se, por assim dizer, vulnerável a certos elementos e outros não.
Não se trata aqui de uma tentativa de definição do que é música. Não tenho nenhuma objeção às definições, presentes nos dicionários ou na opinião popular, de que a música é uma combinação de sons, a manipulação do silencio e do som no tempo, ou simplesmente, sons. A tarefa de encontrar um conceito que corresponda ao nosso uso da palavra, seja ele em concordância com o senso comum ou uma noção erudita, de forma que sua extensão não seja demasiadamente inclusivo ou exclusiva, é delicada, quase sempre arbitrária e autoritária, e, o mais importante, completamente desnecessária.
Opto por escolher a definição mais inclusiva possível, para então reorientarmos nossa atenção para uma tarefa mais interessante: pensarmos, não na definição do conceito de música, mas no que é música boa.
A quantificação do valor da música se dá, portanto, unicamente por meio dos elementos internos que encontramos nela. Vale ressaltar que a referencia à relação do sujeito com a obra através do verbo “encontrar” não é involuntária. Cabe ao espectador, na tentativa de justificar o valor de uma música, observa-la e investiga-la.
Na prática, esta investigação se torna uma tarefa árdua, arbitrária, e provavelmente fadada ao erro, se é que faz sentido falarmos de erro onde o acerto não é claro e seguro. Como calcular a quantidade exata de elementos internos numa música? Quais os meio eficazes de se identifica-los? Um elemento interno a mais é suficiente para afirmar a superioridade de uma música em relação a outra? Há critérios de desempate?
Não é minha intenção operar os critérios aqui traçados com tal grau de rigor. A idéia de determinar o valor de uma música simplesmente através da quantidade de elementos internos presente nela soa absurda. De fato, é pouco esclarecedor pensarmos que o valor de uma música depende mais do número de características que encontramos nela, do que algo mais sutil e sensível que experimentamos ao escutá-la.
A principal tese que defendo aqui se encontra num nível mais fundamental: O único material disponível a partir do qual podemos pensar em algum tipo de valoração para a música são os elementos internos, isto é, qualquer discurso a respeito do valor da música deve se orientar unicamente pelos elementos internos.
Levar a cabo esta idéia através da contagem do número de elementos internos presentes na música é precipitado, impreciso, além de nos revelar muito pouco acerca do valor da música. No entanto, em casos extremos, onde a comparação é demasiadamente desigual e evidente, a quantificação dos elementos internos parece fazer algum sentido. Se recorrermos à literatura existente, aos comentários que usualmente ouvimos, ou mesmo aos nossos pensamentos, e constatamos o profundo desequilíbrio entre certas músicas, ou entre certos estilos musicais, começa a soar menos absurdo que um proporcional desequilíbrio da quantidade de elementos internos não reflete alguma diferença de qualidade. Devemos restringir a tentativa de valoração a casos assim, no qual a quantificação de elementos internos apenas justifica e confirma uma diferença de valor que já era evidente e declarada, mas que não sabíamos como compreender. Basta-me o fato de, nestes casos limites, podermos afirmar juízos de valor independentemente do inconveniente “tudo é relativo!”.


Os estilos musicais
É curioso observar que a identidade da música se encontra, com receio de afirmar totalmente, quase que exclusivamente na melodia. Quando falamos da identidade de uma música, nos referimos às suas determinações melódicas, abstraindo dela o ritmo, a harmonia e o timbre, através dos quais a música se encontra instanciada. Nesse sentido, podemos intercambiar uma “mesma” música através de ritmos, harmonias e timbres diferentes, sem que sua identidade seja perdida.
De fato encontramos inúmeras músicas que, em função do grande sucesso, foram interpretadas por outros artistas, mas que, ao invés de se restringirem à meramente reproduzir ou imitar a música original, alteraram vários elementos importantes. É possível, ademais, alterar até o estilo em que a música foi originalmente composta, dando nascimento aos famosos “Beatles in Blues” ou “Beatles in Jazz”, onde artistas exploram as famosas melodias dos Beatles em estilos musicais que possuem maior afinidade e domínio.
De modo inverso, quando falamos de estilos musicais, abstraímos de uma forma inteiramente diferente os componentes da música. A melodia é inteiramente abstraída, isto é, quando falamos de estilos musicais os elementos melódicos se encontram completamente indeterminados, como uma espécie de variável. No entanto, as determinações rítmicas e harmônicas, na medida em que nos referimos aos estilos musicais, se mantém parcialmente determinados. A determinação dos estilos musicais se encontra, justamente, na forma e no grau em que os elementos rítmicos e harmônicos da música se encontram especificados. Os estilos musicais são, portanto, uma espécie de música geral, cujos aspectos rítmicos e harmônicos se encontram parcialmente particularizados.
Respeitando estes elementos “estáticos”, a criação das músicas dentro do estilo em questão, varrerá os campos variáveis, explorando o domínio de possibilidades em relação ao que ainda está indeterminado. A composição se dá, portanto, na medida em que os elementos indeterminados são particularizados e instanciados.
Obviamente, nem todo estilo musical pode ser concebido segundo essa noção, nem acredito ser possível que qualquer dos estilos existentes seja exaustivamente compreendido e definido desta forma. Não se trata de uma tentativa de produzir definições, nem creio que questões deste tipo tenham grande relevância neste contexto. Antes, quero, simplesmente, propor uma forma de pensarmos os estilos, uma maneira esclarecedora de como uma música de relaciona com seu respectivo estilo.
Podemos compreender a valsa, por exemplo, da seguinte maneira: Um estilo cujos aspectos melódicos foram inteiramente abstraídos; os harmônicos, em grande parte abstraídos, pois normalmente são compostas dentro de harmonias tonais; os aspectos que se referem ao timbre também permanecem pouco determinados; e, por ultimo, os elementos rítmicos são bastante determinados, os compassos são sempre ternários, dentro do quais a maior intensidade se encontra no primeiro tempo.
Quanto mais determinado for um elemento, maior será sua contribuição na compreenção do estilo. No caso da valsa este elemento é o ritmo. Pensando no Blues, por exemplo, podemos considerar, além do ritmo, a harmonia, que é bastante relevante. Ou podemos pensar, ainda, exemplos mais radicais, como na musica direcionada ao mercado de consumo em geral, que além de conter certas determinações harmônicas, através da exigência de músicas simples e consonantes, há também severas determinações nos aspectos melódicos, com respeito à forma e a duração da música. Aparece, nestes casos extremos, uma espécie de músicas pré-fabricadas, isto é, as determinações rítmicas, harmônicas e até melódicas do estilo se encontram num estado tão abrangente e dominante, que o trabalho do compositor se reduz a um mero “completar” ou “saturar” os poucos elementos ainda variáveis.
Por outro lado, quanto mais aspectos determinados conter um estilo, menor será o domínio de possibilidades dentro do qual se particulariza uma música. Menor será, também, a liberdade do compositor para explorar os aspetos variáveis do estilo, isto é, quanto mais aspectos estáticos possuir um estilo, mais restrita será a ação do compositor.
A conclusão óbvia que inferimos aqui se refere aos prejuízos concernentes à limitação composição do músico, já que seu processo criativo se encontra limitado. Mas creio que o maior prejuízo que podemos observar advém do fato de haverem certos elementos internos conflitantes, de modo que a instanciação de um exclui a instanciação de outros, e vice-versa. E, o fato de certos elementos se relacionarem de forma auto-excludente, limita significativamente a variedade e quantidade de elementos internos que a música pode suportar.
Faz sentido, portanto, pensarmos numa espécie de valoração, também para os estilos num sentido óbvio: quanto menos determinado for os elementos do estilo, mais elementos internos poderá sustentar as músicas.


O Rock Progressivo
O Rock Progressivo, segundo este modo de pensar a música, merece uma atenção especial. Ele tem o mérito de ser o único estilo imune a qualquer tentativa de definição nesse sentido. As determinações rítmicas, harmônicas e melódicas variam amplamente dentro do estilo, além do fato de encontrarmos transformações equivalentes no interior da própria música. Portanto, nenhum dos elementos, em nenhum grau, pode ser usado na tentativa de elucidar sua constituição.
Ao contrário, o único traço através do qual poderíamos arriscar uma aproximação é justamente sua imunidade a qualquer tipo de determinação, ou, para sermos menos vagos, incluir aqui a noção de dinâmica, num sentido amplo, isto é, a variação melódica, harmônica e rítmica, a livre apropriação de outros estilos e a preocupação com o desenvolvimento do tema.
A noção de dinâmica não equivale a uma mera união de estilos, ou uma variação descuidada e fragmentada de idéias fechadas aleatoriamente, nem, ainda, uma alternância de exibições de instrumentistas tomados individualmente, mas consiste numa tentativa de oferecer um movimento que respeite uma unidade. Identificamos, é claro, momentos distintos que intercambiam no interior da música, instrumentos que predominam em alguns momentos e outros não, um constante intercâmbio entre tensão e repouso, no entanto, não se perde de vista uma unidade, de forma que o valor da composição prevaleça sobre as partes. Atribuir à música uma ordem inteligível entre temas, ritmos e harmonias que se alteram constantemente, não fazer da música um mero meio para a exibição técnica dos instrumentistas, exige uma espécie de maturidade composicional, sem a qual a dinâmica não se concretiza.
Talvez, seja com respeito à dinâmica que a as exigências comercias mais pecou com a música. Os meios de comunicação e divulgação determinaram um limite temporal dentro do qual as músicas deveriam ser compostas, de modo que, até a conquista de uma considerável independência dos produtores e divulgadores, os músicos se viam obrigados a reduzir suas composições a meros singles de três minutos.
No entanto, posto que os elementos internos se dão através do tempo, a condição de possibilidade da dinâmica é uma duração relativamente extensa. Podemos, ademais, arriscar a sugestão de um tempo “ideal” de uma música, considerando, por um lado um limite mínimo para se estabelecer a dinâmica, e, por outro lado, os limites máximos da capacidade de atenção e apreensão do homem.
A limitação do tempo prejudicou consideravelmente a produção musical do século XX, e um dos grandes motivos foi justamente pela impossibilidade de se atribuir dinâmica a músicas curtas.
Ocorreu, no entanto, algo surpreendente: surgiu uma maneira alternativa de se instanciar a dinâmica, ela passou a ser utilizada como uma característica, não da música, mas dos álbuns. Trata-se da presença de um movimento ou fluxo contínuo que ultrapassa os limites das faixas individuais, de forma que, embora cada faixa encerre em si uma forma completa, há uma unidade transcendente que se estrutura por todas as faixas juntas. Dessa forma, apesar das músicas não serem grandes o suficiente para imprimir uma dinâmica interna, as inter-relações entre elas permitem uma dinâmica que percorre todo o álbum.
Podemos, ademais, ir mais além e tentar compreender a noção de dinâmica, ao menos parcialmente, através a natureza dos elementos internos. A dinâmica, diferentemente de alguns dos elementos internos mencionados anteriormente, é bastante “flexível”, isto é, raramente entra em conflito com outros elementos. Contrariamente, além de permitir uma coexistência com a maioria dos demais elementos, ela atua como uma espécie de contive ou mesmo convocação, por assim dizer, aos demais elementos.
Ou, para expressar melhor sua relação com os outros elementos, poderíamos afirma que ela se dá através de outros elementos. Nesse sentido, a dinâmica acaba por se destacar dos outros elementos internos, já que sua presença sugere, ou mesmo implica, a presença de um maior número de elementos internos na música.