quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Allan Holdsworth


Quatro bons álbuns que tem um elemento em comum: Allan Holdsworth.


Allan Holdsworth - Velvet Darkness 1976



Nucleus - Belladonna 1972
Depositfiles


Igginbottom's - Igginbottom's Wrench 1969

Rapidshare


Tempest - Tempest 1973 

Rapidshare

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A Experiência do Instante - Texto Completo




 
A Experiência do Instante


Resumo

Quando um novo recurso técnico é incorporado pela arte ela se transforma. Todas as suas dimensões sofrem alterações: A sua criação é enriquecida com novas possibilidades e uma nova compreensão da arte já existente, sua existência é ampliada em sua própria materialidade, além do fato do próprio modo com que o publico recebe a obra ser obrigatoriamente modificado. Obviamente, nem toda novidade técnica alcança conseqüências tão radicais e extensas como a reprodutibilidade técnica narrada por Walter Benjamin, mas uma investigação precisa é certamente capaz de encontrar alterações significativas provocados pelos mais variados recursos técnicos que surgiram na história da arte.
Todo o desenvolvimento da história da música parece ter ocorrido no interior de um entendimento de linguagem musical limitado. As perspectivas e expectativas que envolveram a música até o século XX favoreceram estruturas que dependem de sua relação com o tempo, isto é, uma característica marca decisivamente este momento da música: A submissão dos fragmentos temporais da música numa totalidade.
O surgimento da música eletrônica pode certamente ser compreendido como um desses momentos em que o antes e o depois compõem fronteiras extremamente significativas, em especial com relação ao modo como a obra é recebida e compreendida. A trama dessa história divide dois momentos da música cuja dimensão que às distingue é o modo como se percebe a música, mais especificamente, o modo como a música se relaciona com o temporalidade na sua recepção.
Com os métodos de gravação que permitiam uma manipulação posterior dos sons captados, de modo que sua natureza originária se transfigurava em efeitos sonoros com funções completamente distintas, Pierre Schaeffer, junto à equipe da RTF (Radiodiffusion-Télévision Française), iniciou uma jornada cujo trajeto, completamente desconhecido, redefinia a música. Paralelamente, a NWDR (Nordwestdeutscher Rundfunk) desenvolvia pesquisas semelhantes, mas o ideal alemão parecia ser ainda mais consciente quando havia ainda a exigência do próprio material sonoro originário ser puramente eletrônico.
Desse modo um novo espaço criativo foi aberto, exigindo um novo modo de recebermos e compreendermos a música no qual o instante passa a orientar a percepção e a materialidade supera a forma.

Palavras-Chave: Filosofia da música, Modos de percepção, Música Eletrônica, Matéria e Forma.



Introdução

Quando um novo recurso técnico é incorporado pela arte ela se transforma. Todas as suas dimensões sofrem alterações: A sua criação é enriquecida com novas possibilidades e uma nova compreensão da arte já existente, sua existência é ampliada em sua própria materialidade, além do fato do próprio modo com que o publico recebe a obra ser obrigatoriamente modificado. Obviamente, nem toda novidade técnica alcança conseqüências tão radicais e extensas como a reprodutibilidade técnica narrada por Walter Benjamin, mas uma investigação precisa é certamente capaz de encontrar alterações significativas provocados pelos mais variados recursos técnicos que surgiram na história da arte.
No contexto da música brasileira temos bons exemplos. Tom Zé, numa conversa documentada com David Byrne, oferece uma interpretação esclarecedora acerca do surgimento da Bossa Nova: A música que antecede sua criação é marcada por vocais cuja expressividade se baseava em gritos potentes e encorpados, e não poderia ser diferente, a restrição técnica da gravação delimitava o próprio domínio criativo. Foi o aperfeiçoamento do microfone que permitiu a realização do vocal frágil e sussurrado de João Gilberto, mais do que isso, a própria idealização de uma vocal assim não seria possível sem o desenvolvimento do microfone. A música tropicalista também permite esclarecimentos análogos, ele deve parte de sua produção à nova compreensão que a absorção da guitarra elétrica proporcionou ao samba e a música folclórica.

Os Fatos Históricos

Considerando a história da música de maneira mais ampla, creio que a novidade técnica que modificou a natureza da música de maneira mais significativa foi o desenvolvimento dos instrumentos que formariam os primeiros estúdios eletroacústicos. Me refiro, especialmente, à novidades técnicas originárias da Musique Concréte francesa e a Elektronische Musik alemã. Os aparelhos eletrônicos que surgiram anteriormente, como o telarmônio, o órgão Hammond e o Teremim, apesar de desempenharem papéis importantíssimos na história da música, ainda não despertaram uma compreensão privilegiada da música.
O órgão Hammond estimulou uma excelente produção musical, especialmente a partir da década de 50. Seu timbre único e suas potencialidades técnicas abriram um campo de possibilidades extremamente rico e se mostrou fértil na realização e idealização de experiências antes inimaginável. O jazz, o blues e, particularmente, o rock progressivo, devem grande parte de sua produção ao espaço criativo aberto pelo órgão Hammond. No entanto, toda a composição que se originou com o Hammond ocupava estruturas já existentes, a música o absorveu e o acomodou dentro de formas já concebidas.
Com os métodos de gravação que permitiam uma manipulação posterior dos sons captados, de modo que sua natureza originária se transfigurava em efeitos sonoros com funções completamente distintas, Pierre Schaeffer, junto à equipe da RTF (Radiodiffusion-Télévision Française), iniciou uma jornada cujo trajeto, completamente desconhecido, redefinia a música. Paralelamente, a NWDR (Nordwestdeutscher Rundfunk) desenvolvia pesquisas semelhantes, no entanto, o ideal alemão parecia ser ainda mais consciente quando havia ainda a exigência do próprio material sonoro originário ser puramente eletrônico. “O material sonoro (basicamente ondas sinusoidais e ruídos) era manipulado por meio de processos de síntese, modulação de amplitude, filtragem e reverberação e, depois, fixado em fita magnética.”[1]

Justificação

A música, como qualquer linguagem artística, não se desenvolve na história de forma previsível. Compreender o fenômeno da arte por meio de estruturas evolutivas ou resultados diretos de uma configuração histórico-cultural contraria grande parte da nossa experiência. Mas é impossível negar que a arte sofre mudanças proporcionais à realidade na qual se encontra inserida e que sua existência é limitada às condições tecnológicas de seu tempo e às restrições empíricas da imaginação humana. As novidades técnicas que sustentaram o surgimento da música eletrônica ocupam um lugar privilegiado no interior deste pensamento, sua aparição fornece um novo espaço de criação, tanto pela nova materialidade sonora quanto pelo modo como ela é usada e percebida.
O surgimento da música eletrônica pode certamente ser compreendido como um desses momentos em que o antes e o depois compõem fronteiras extremamente significativas, em especial com relação ao modo como a obra é recebida e compreendida. A trama dessa história divide dois momentos da música cuja característica que às distingue é o modo como se percebe a música, mais especificamente, o modo como a música se relaciona com o temporalidade na sua recepção.

A percepção do tempo

A história da arte é marcada por um desejo constante de superação. Esse movimento de negação, rompimento e criação é a própria vida da arte, e a manutenção de sua expressividade depende disso. Obviamente, a heterogeneidade da produção musical, conseqüência inevitável de uma arte tão viva como a música, desde a formalização de sua linguagem até o século XX, ultrapassa o domínio de qualquer definição possível. Abandonando, porém, a exatidão que exige um processo de definição, uma compreensão da música por meio de conceitos que descrevem momentos ou gêneros singulares de sua existência é perfeitamente compatível com o caráter subjetivo e inexato que envolve a arte. Obviamente, a significação desses conceitos é resultado de um trabalho de natureza empírica e nem sempre tem interesse para a filosofia.
Mas, pelo menos num caso, um esforço nesse sentido me parece extremamente fértil: Todo o desenvolvimento da história da música parece ter ocorrido no interior de um entendimento de linguagem musical. As perspectivas e expectativas que envolveram a música até o século XX favoreceram estruturas que dependiam do tempo para expor seu conteúdo, isto é, uma característica marca decisivamente este momento da música: A submissão dos fragmentos temporais da música numa totalidade.
Não é exagerado afirmar que a melodia se tornou o principal conceito da música, grande parte da preocupação dos músicos e, principalmente, da orientação da atenção do receptor incidi sobre ela. Não é gratuito, portanto, o fato de naturalmente usarmos a melodia como critério de identidade das músicas, rebaixando os demais elementos ao estatuto de mero suporte ou acompanhamento. Ademais, até no período barroco, não era clara a distinção entre os papeis das vozes, normalmente todas as vozes faziam linhas melódicas igualmente importantes, embora alternassem sua importância no decorrer da música, isto é, a música era basicamente melodia. A primazia da melodia em relação aos demais elementos da música indica uma característica colateral: A idéia de melodia não é possível fora do tempo, sua estrutura depende da forma temporal. A idéia de ritmo é igualmente dependente de uma estrutura temporal, não faz sentido a idéia de ritmo se não considerarmos a possibilidade de separarmos sons por “vazios” sonoros, e isso só o tempo pode nos fornecer.
O período clássico e romântico desenvolve ainda mais estruturas musicais que dependem do tempo. Uma noção mais clara de dinâmica surgiu, ela foi formalizada e solidificada nas estruturas clássicas das sonatas, dos concertos e das sinfonias. Todas elas se estruturavam em dois ou mais movimentos que oferecia uma maior dinâmica, os quais, ademais, se valorizavam mutuamente. Nesse contexto, a unidade da música corresponde à totalidade dos movimentos, isto é, a compreensão de cada passagem depende da presença virtual dos demais movimentos. Assim como cada nota da melodia deve sua total significatividade à relação que mantém com as demais notas que compõe o todo, cada movimento das extensas obras românticas também deve grande parte de sua expressividade à relação que mantém com a totalidade da obra.
No interior de toda a novidade estética que Debussy traz à música, investigando delicados timbres e desafiando o sistema tonal predominante, está presente uma estética cuja relação com o tempo é, contrariamente, a radicalização da tradição. Cada pequeno som que aparece na música impressionista de Debussy está inserido num contexto mais amplo, e sua plena expressividade depende dessa relação. Debussy explora inúmeros efeitos sonoros que se estruturam numa multiplicidade de sons ligeiramente encadeados, sua peculiar construção harmônica somente se dá na complexa relação entre as notas, assim como a dimensão pictórica de sua música, que surgi a partir da ambientação que se constitui no movimento da música. Nesse sentido, a idealização de sua música está profundamente relacionada ao tempo, e sua percepção exige uma compreensão dessa totalidade que se encontra fragmentada em toda a extensão temporal da música.

A percepção do Instante

A música eletrônica, como foi já foi dito introdutoriamente, rompeu com uma característica que determinava toda a produção musical que o antecedeu: O modo da música lhe dar com o tempo. Abandonando as principais estruturas que se solidificaram na história da música, mediante as quais se concebia e se compreendia a linguagem musical, foi aberto um novo espaço criativo. O modo com que a música se relaciona com tempo, e as estruturas musicais que se desenvolveram a partir dessa relação, são substituídas por formas músicas nas quais o instante passa a orientar a percepção..
Os estúdios eletroacústicos permitiram a produção de um material sonoro inteiramente novo, tão novo que despertou um foco de atenção paralelo para a música: Sua própria materialidade. O som, em si mesmo, se tornou o principal interesse para a música, conduzindo o desenvolvimento de novas estruturas musicais e, portanto, uma nova concepção da linguagem musical.
A dimensão dessa mudança é ainda mais ampla. O próprio receptor, diante da obra, deve modificar sua postura. A tentativa de acomodar a música eletrônica às estruturas que determinam nossa compreensão da música tradicional só acarreta à más conseqüências. Trata-se de interromper uma experiência estética na sua própria condição de possibilidade: Deixar a obra falar por si. O hábito e o preconceito orientam nossa percepção para elementos agora inexistentes. A ausência de uma linha melódica clara, a desordem rítmica dos sons, a falta da voz humana e de instrumentos habituais, além da mudança radical das formas musicais que usualmente esperamos de uma música, contrariam todas as expectativas. Ademais, esperar da obra algo que ela não pode oferecer implica ainda em ignorar aquilo que ela oferece.   
Se faz necessário, portanto, uma nova postura, um novo modo de receber e compreender a música. As estruturas musicais predominantes até o século XX se desenvolveram a partir de uma concepção de música na qual os seus fragmentos temporais extraia sua expressividade da relação que mantinha com a totalidade. A música eletrônica inverte essa relação. Apoiado nas novidades técnicas dos estúdios eletroacústicos, pela primeira vez, os fragmentos temporais se tornam prioridade, e, consequentemente, exigem e direcionam a formação de novas estruturas e de um novo modo de recebê-las.
O Instante determina o espaço da percepção, e tudo que cabe nele é o timbre, a qualidade do som, a matéria da música. Despida da forma, a distancia entre a música e o espectador é reduzida: Sua materialidade o atinge diretamente. Cada fragmento temporal se torna um todo em si mesmo, uma vida fugaz, mas plenamente expressiva. Tudo isso constitui um novo modo de percepção, no qual a materialidade toma o lugar da forma, e o instante ocupa o lugar do tempo.


[1] http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tiki-index.php?page=m%C3%BAsica+eletroac%C3%BAstica