domingo, 16 de outubro de 2011

Música Portuguesa e Qualidade são conceitos sem objetos em comum?

     

       Já fez um mês e meio que estou morando em Coimbra, e, na medida do possível, pesquisei intensamente a música de Portugal. Obviamente, um mês não é tempo suficiente para conhecermos a produção musical de um país, muito menos para julgá-las. Mas aqui está um juízo provisório do que eu mais gostei até agora, até o final da minha estadia postarei mais álbuns, possivelmente contrariando minha lista inicial. Não acho que estou completamente errado quanto a esses álbuns, creio que todos merecem ser escutados com atenção, e se tiver errado em algum, ou alguns, me perdoem. De qualquer maneira, a questão originária desse comentário, acredito eu, está plenamente respondida: há, ao contrário do que nós, brasileiros, julgamos, música boa em Portugal! Obviamente, nenhum brasileiro minimamente consciente afirmaria o contrário, mas seu juízos de valor se estendem para além do mero discurso, se encontra também no domínio da atividade, e é inegável que a maioria dos brasileiros nunca desempenharam um papel ativo a fim de conhecer a música portuguesa.
   Nesta seleção se encontram álbuns de estilos diversos. Portanto, se não quiserem ser surpreendidos, pesquisem algo a mais antes de escutá-los (sugiro, contrariamente, que escutem todos, independentemente do estilo, pois o verdadeiro gosto deve estar além de categorias).  Aproveitem, gastei uma tarde inteira para preparar esta postagem e espero profundamente que alguém no mundo aproveite o resultado do meu trabalho!


Carlos Paredes - Guitarra Portuguesa 1968


José Mário Branco - Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades 1971


José Afonso - Cantigas do Maio 1971


Rão Kyao - Malpertuis 1976


Banda do Casaco - Hoje há Conquilhas, Amanhã Não Sabemos 1977


Fausto - Por Este Rio Acima 1982


Sei Miguel - Breaker 1988


Osso Exótico - I 1990


Carlos Maria Trindade e Nuno Canavarro -  Mr. Wollogallu 1990


Wraygunn - Ecclesiastes 1.11 2006


Linda Martina - Olhos de Mongol 2006


The Allstar Project - Your Reward... A Bullet 2007

Free Jazz em Coimbra

      Ontem, e anteontem, fui a um festival de jazz que passou aqui em Coimbra nos dias 14 e 15 de Outubro no Salão Brasil. Fui ingenuamente esperando um show tradicional e relaxante, e me surpreendi com um free jazz arrasador, algo inimaginável de se ver ao vivo na minha cidade (Goiânia). Escolhi no YouTube três vídeos para apresentá-los, respectivamente, John Edwards (contrabaixo), Paul Lovens (percussão) e Carlos Zíngaro (violino), o trio formado especificamente para esta apresentação. Os concertos, felizmente, com os mesmos músicos mas com apresentações completamente diversas, foram gravados pela editora de Coimbra JACC Records para posterior edição.








quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Limite dos Conceitos na Arte




Introdução

Em que medida um esforço de conceituar a realidade da arte nos ajuda a compreendê-la, e, a partir de que ponto os conceitos que adquirimos a partir dessa análise prejudicam uma percepção válida da arte? Isso significa perguntar também: qual as fronteiras do uso dos conceitos para falarmos da arte? E o alcance de uma questão assim é extremamente vasto, se comunica com questões fundamentais da filosofia da arte e, o que é igualmente importante, com questões recorrentes que surgem no nosso contato direto com ela.
Qual o limite da capacidade descritiva da linguagem? Como a arte escapa ao discurso? É possível definir o conceito de “arte”? Definir estilos, escolas, tendências, gêneros, auxiliam ou inibem nossa compreensão da arte? Nossa experiência com a arte pode ser alterada por um esforço de conceituação? O discurso alcança o valor da arte? É possível estabelecer regras à arte? Estas são algumas das questões que, ao meu ver, diretamente se relacionam com as questões elaboradas.
No presente ensaio restringirei minha análise para a questão da valoração, e minha tese consiste na ideia de que quando abstraímos da arte conceitos e falamos deles independentemente da obra em que ele se encontra instanciado temos de suspender qualquer carga valorativa do discurso.


O conceito e a obra

A tentativa de encontrarmos uma característica presente na obra de arte que justifique seu valor, embora por vezes produza argumentos convincentes, é perigosamente enganadora. A radicalidade dessa via de pensamento abre espaço para conclusões que devem ser afastadas por princípio. A ideia de que é possível encontrarmos características por meio das quais uma obra se torna boa, e que uma investigação nesse sentido constitui o conteúdo de uma regra capaz de reger a criação artística e o juízo de valor, contraria, no nível mais fundamental, grande parte da experiência que temos com a arte.
O fato é que, com um bom histórico de experiência com determinado domínio da arte, somos capazes de dar bons palpites acerca do motivo pelo qual uma obra de arte se torna boa, o que justificaria a constante insistência na tentativa de buscar na arte uma fórmula de seu valor. Nos tornamos capazes, através da experiência, de distinguirmos e identificarmos elementos numa obra de arte que fazem dela uma boa obra, isto é, somos capazes de localizarmos onde se concentra, no interior dela, algo que merece destaque. Obviamente, isso não é uma constante, não é raro admirarmos uma obra de arte em seu inexplicável “todo”, mas caracteriza boa parte da relação que temos com a arte.
O caráter essencialmente especulativo dessas afirmações não impede sua capacidade de, de algum modo, explicar a realidade da arte. Palpites descomprometidos também fazem parte da compreensão que adquirimos da arte, na medida, é claro, que permanecemos conscientes da sua imprecisão. O poder explicativo de uma teoria é tudo que podemos esperar dela. E, se isso é verdade para teorias científicas, nas quais o grau de exatidão pode ser reivindicado com maior rigor, na estética esse critério de verdade deve ser mantido com toda força.
Creio, portanto, na ideia de que, com algum nível de significatividade, podemos refletir a obra de arte a fim de encontrarmos, no seu interior, razões específicas de seu valor. Mas o fato de ensaiarmos encontrar características que potencialmente atribuem valor à obra não tem implicações óbvias. Um pensamento nessa direção deve ser cuidadoso e conhecer bem seus limites.
Permanecemos ainda dentro no campo da significatividade quando, em contato com uma obra, indicamos uma determinada parte dela como objeto específico de um juízo de valor. Mas encontra-se precisamente aqui o limite dessa via de pensamento: afirmar o que, no interior da obra, funciona bem e a “torna” boa, isto é, ajuizar acerca de uma parte da obra sem excluir, no entanto, sua singularidade como plano de fundo do juízo.
Identificar, destacar e conceituar características numa obra de arte implica em afastarmos dela, desligarmos de sua singularidade, deixarmos de percebê-la diretamente. De fato, o próprio objeto do discurso deixa de ser diretamente a obra de arte. Mas isso ainda não constitui um problema se tivermos consciência de que o valor que atribuímos ao conceito pressupõe sua relação com a obra. No entanto, o que usualmente ocorre nesse estágio de raciocínio é a eleição da própria característica como boa em si mesmo, independentemente da obra na qual se encontra instanciada.
Talvez seja mais correto reformularmos a afirmação de que uma determinada característica torna a obra boa, já que não é propriamente ela que oferece valor a obra, para algo como “o modo como essa característica é usada nessa obra é boa”, ou mesmo, na forma inicialmente anti-intuitiva, “a obra torna essa característica boa”.
Na prática, isto é, na experiência direta com a arte, a postura que um pensamento assim sugere é simples: Não perder a obra de arte de vista, compreender que o juízo de valor, em ultima instância, se refere a sua singularidade, e que qualquer que seja o conceito em questão ele só tem valor pelo modo como é instanciado na obra.


O bom como conceito de primeira ordem

Para a constituição de um discurso propriamente filosófico, no entanto, devemos reformular a questão a fim de transportá-la para um nível mais geral e fundamental. Quer dizer, se isso realmente determina o modo de investigação filosófico é coisa que ultrapassa minha autoridade para afirmar, mas creio que é um movimento que caracteriza boa parte da filosofia.
Minha afirmação inicial, cuja verdade se funda exclusivamente na experiência e seria inútil tentar demonstrá-la, consiste no fato de que todo o valor da arte, isto é, se se aceita algum tipo de valoração na arte, encontra-se no particular, na existência mesma da obra. Ela é o único objeto direto possível de um juízo de valor (estético), é à singularidade de sua existência que se refere o valor.
A constituição do juizo, e isso inclui os juizos de valor, pressupõe o uso de um predicado, um temo geral. Dispensando explicações mais específica do modo como compreendo a constituição interna da sentença, posso considerá-la, como no geral a filosofia considera, como formada por basicamente duas partes essenciais, o sujeito e o predicado. O espaço do predicado, quando falamos de alguma obra de arte singular, isto é, quando o sujeito da sentença é uma obra de arte, pode ser ocupado de formas infinitamente distintas. Me refiro aos conceitos que usamos constantemente num dialogo que tem como referencia a arte: simetria, lentidão, tristeza, psicodelia, ter harmonia tonal, conter cores frias, entediante, etc.
Isso constitui ainda um momento de organização da compreensão que adquirimos da obra, é um esforço de puramente encontrar conceitos para, já que esse é o único meio de falarmos de algo, nos referirmos á obra de arte. Na ausência de conceitos nem se quer somos capazes de falar de um objeto. A questão se os conceitos são claros e objetivos é nesse estágio irrelevante, o essencial é a possibilidade de falarmos de algo, independentemente do grau de exatidão que essa linguagem possui.
Os conceitos que exemplificamos até agora para descrever e compreender a arte são de primeira ordem, isto é, são conceitos cuja insaturação requer um nome para preenchê-la, ou, de uma maneira mais simples, são conceitos que falam diretamente da própria realidade.
Em seguida, podemos ainda atribuir um certo valor a esses predicados, afirmando que tal simetria ou lentidão é boa (ou talvez ruim). Podemos fazer isso com qualquer conceito, se estamos certos ou errados, ou mesmo se faz sentido falar de certo e errado nesse contexto é outra questão, no entanto, de fato afirmações desse tipo são comuns quando falamos de arte, na intenção, por exemplo, de buscar aquilo que mais se destaca e que merece maior relevância no interior da obra. E como já havia dito, creio que isso faz parte da nossa compreensão da arte.
Praticamente todos os conceitos que desenvolvemos para falarmos sobre a arte se encontra nesse nível. Tanto aqueles comentados anteriormente, que dizem respeito às partes da obra de arte, suas caractecristicas internas, sua estrutura, o estado emocional e psicológico que provoca, sua dinâmica, sua matéria, etc.; mas também conceitos que pretendem organizar e abarcar uma multiplicidade de obras, que incluem no seu domínio obras diversas segundo uma unidade.
Não há uma distinção lógica e fundamental desses dois tipos de conceito, mas não me importa se consigo ou não distinguí-los de forma consistente. No próprio uso que fazemos desses conceitos percebemos razoavelmente bem as diferenças deles: Os primeiros é como se quisessem decompor o objeto e falar de alguma de suas partes, os outros falam do objeto segundo sua semelhança com vários outros, busca-se aqui organizar vários objetos por meio de meio de uma, ou várias, caracteristicas em comum. Talvez, podemos ir mais além e distinguí-los segundo sua intenção: os primeiros pretendem falar das qualidades do objeto, os segundos da sua essência.
Exemplos da segunda categoria são: “música barroca”, “impressionismo”, “modernismo (na literatura brasileira)”, “krautrock” etc. , de modo impreciso ou não, pretendem denotar um conjunto de obras de arte segundo uma unidade, uma localização geográfica, uma época, um movimento, ou meras características comuns. O mesmo vale para qualquer gênero, estilo ou escola artística. Obviamente, a questão, se é o sentido do conceito que nos permite organizar as obras num mesmo conjunto, ou se, contrariamente, é a inclusão, de certa forma arbitrária, de vários objetos num mesmo conjunto que nos oferecem um sentido mais ou menos inteligível pode ser colocado em causa. Mas creio que não é necessário um posicionamento nesse sentido para prosseguirmos com o texto. Desconsiderando, portanto, a questão acerca da precisão dos conceitos e a verdade sobre sua constituição e seu sentido, uma coisa podemos seguramente afirmar: São conceitos que, mediante um sentido mais ou menos determinado, ou simplesmente uma organização arbitrária para auxiliar o discurso, pretendem classificar e denotar um conjunto de obras.
Existem ainda, ao contrário do que até agora consideramos, os conceitos de segunda ordem, que podem ser apresentados como aqueles conceitos que somente se aplicam a outros conceitos, sua insaturação já não pode ser preenchida por outro nome, mas unicamente por outros conceitos. Podemos pensá-los também como aqueles conceitos que não falam, pelo menos diretamente, da realidade, mas falam de outros conceitos. Os exemplos são variados: quando dizemos, por exemplo, que o sistema harmônico tonal é essencialmente ocidental estamos usando o conceito ocidental para caracterizarmos um outro conceito, a harmonia tonal. O mesmo ocorre em sentenças como “cores frias são calmas e acolhedoras” ou “tonalidades menores são tristes”, elas apresentam uma estrutura equivalente às sentenças constituídos de conceitos de primeiro ordem, mas, ao invés de se falar das próprias obras, falam de outros conceitos. O sentido desses conceitos são ainda mais obscuros, determiná-los com clareza é certamente um problema, mas, confusos ou não, conceitos de segunda ordem são indispensáveis para pensarmos a arte de maneira mais pormenorizada.
A questão que nos importa ser colocada agora é: onde se encontra o conceito “bom”? Ou, de forma mais ampla, em que nível está os conceitos valorativos (e isso inclui também o ruim)? O bom (e o ruim) é um conceito de primeira ou de segunda ordem? Ou ainda, o que é perfeitamente possível, ele pode ser usado tanto para predicar objetos quanto para caracterizar outros conceitos?
O bom no sentido moral pode certamente ser usado como um conceito de segunda ordem, é, pelo menos, o que intuitivamente pensamos acerca do bom moral, já que as virtudes de um homem que são boas, não o próprio homem. Sua coragem e sua honra (se apoderando dos exemplos mais conservadores, mas não menos polêmicos) são boas, e se diz que um homem é bom somente pelas virtudes que possui. Mas é perfeitamente possível concebermos o bom moral como um conceito de primeira ordem, a ideia amplamente afirmada na filosofia segundo a qual o homem é bom por natureza se trata de um uso do bom cuja referencia é a realidade mesmo, o homem. Bem como a afirmação de que a ação, a atitude concreta do homem, é que é boa ou ruim, e que a virtude do homem só pode ser avaliado mediante ela.
Bem, essa é uma questão que nunca pensei com cuidado suficiente, mas me posiciono, segundo o que afirmei de forma vaga anteriormente, a favor da ideia de que conceitos valorativos possuem sentido quando fala do que é singular, e que, portanto, são conceitos de primeira ordem. Considerando, no entanto, o fato de que afirmações no domínio da moral exigem uma preocupação com suas consequências, que podem ser extremamente perigosas, questões acerca do uso e do sentido do conceito bom se tornam completamente banais. O cuidado que com que se deve pensar as consequências dos nossos pronunciamentos morais supera absolutamente o mero exercício intelectual de elaborarmos uma teoria complexa, coerente e definitiva. Nesse sentido, se uma teoria moral funciona bem (aqui, obviamente, podemos ter inúmeras interpretações quanto ao que se trata funcionar bem) se torna irrelevante questionarmos o sentido dos termos.
A particularidade do bom, quando usado no sentido estético, é que ele é um conceito exclusivamente de primeira ordem, isto é, seu sentido se encontra restrito à relação que mantém com a realidade. A valoração é parte intrínseca da experiência com a arte, seja pelo simples sentido de agradabilidade, seja pelo gosto ou mesmo por um juízo estético propriamente dito (isto é, se realmente faz sentido distinguir esses modos de se receber a arte). A atribuição de valor, seja ela objetivo ou subjetivo, ou mesmo não declarada, está presente em toda relação que mantemos com a arte. Não há contato com a arte sem juízo de valor.
Obviamente, esta valoração não é necessariamente formalizada (ademais, acredito que isso seja até irrelevante), seja de que forma a valoração apareça ela é intrínseca à experiência estética. Receber (pela pura percepção) e julgar (há varias maneiras pela quais julgamos a arte, quando obviamente proferimos um juízo, ou também simplesmente quando agimos a favor do contato com a obra, frequentando concertos, comprando discos, etc.) a arte, portanto, é a mesma coisa, na própria percepção da obra está contido um posicionamento valorativo.
Conceitos cujo sentido consiste na atribuição de alguma carga valorativa estética, como os termos “bom”, “ruim”, “belo”, “feio”, etc., se aplicam, portanto, diretamente à obra de arte. É o próprio objeto que é bom ou ruim, e só ele pode ser, esteticamente, bom ou ruim. E isso, como já foi dito, é o mesmo que dizer: conceitos que atribuem valor estético ao objeto são exclusivamente de primeira ordem. Por um lado, isso significa restringir o próprio uso desses conceitos, sua categorização segundo conceitos de primeira ordem implica na proibição de um uso diferente; no entanto, isso também significa, ou talvez justamente por isso, restringir o sentido dos conceitos valorativos: está fora do seu domínio semântico usá-los como um conceito de segunda ordem.
Qualquer abstração e generalização que se faça a partir de uma obra de arte não carrega nada de seu valor. O que ela extrai da obra é sua forma, sua estrutura, sua ordem, isto é, algo variável e incompleto. Características são abstrações de partes de uma obra deslocada de seu todo e ,portanto, de sua singularidade, e não contém em si valor nenhum. O sentido valorativo de uma qualidade só é justificado no contato direto com a obra, e, consequentemente, é indissociável dela. O juízo de valor que tem como referencia um conceito só tem validade quando se encontra no interior de uma obra.
Não importa como precisamente se entenda a natureza do conceito, ele é sempre algo incompleto, algo que, abandonando a completude do real, pode ser associado a vários outros objeto que contenha também aquilo que preservou. Um conceito, uma espécie de objeto insaturado, pode preencher sua incompletude de maneiras inteiramente diversas, esse ambiente vazio, um espaço variável, acomoda inimagináveis possibilidades. O conteúdo ainda ausente não pode ser ignorado, sem ele devemos suspender qualquer juízo de valor. O quero dizer é simples: Uma qualidade só pode conter um valor na medida em que é instanciada numa obra, na sua abstrata natureza ela é quase que completamente neutra.
Se levarmos adiante uma investigação mais insistente, levando em consideração o fato de que o conceito contém, mesmo que pequeno, algum grau de conteúdo determinado, podemos conceber um tipo de juízo valorativo proporcional à esse fator. Não é absolutamente irrelevante o nível de determinação que se encontra nos conceitos, ele permite, mesmo que de um modo particular, um modo de julgar seu valor. Qualquer precisão é aqui abandonado, se trabalha no nível da probabilidade, julgamos as chances de, da medida em que o conceito se concretiza, originar músicas segundo o valor afirmado. Creio que a probabilidade de se originar de um conceito músicas de elevado valor é indiretamente proporcional ao seu grau de determinação, ou seja, quanto mais determinado for o conceito menor serão as chances de dar realidade boas músicas. Mas isso é o limite do que podemos ajuizar, restrito a meras probabilidades. Qualquer conceito, por mais determinado que seja, como a experiência nos prova, contém a possibilidade de originar boas músicas.
A ideia de que é possível descobrir ou inventar regras por meio das quais se determina um critério para julgar a arte, e mais que isso, uma regra para orientar o fazer artístico é, penso eu, completamente falsa, e me é surpreendente que alguém que vive no século XXI, e que já entrou em contato com a multlipicidade de objetos que somos “obrigados” a considerar arte, ainda mantenha posições desse gênero. Embora o desejo de submeter a arte à regras já não determine mais a filosofia de forma significativa, essa é uma questão que persiste presente no modo como as pessoas, de modo geral, se relacionam com a arte, e merece, portanto, uma resposta mais elaborada que um simples “isso é falso”. Acredito, no entanto, que a discussão anteriormente desenvolvida encontra um espaço fértil que se comunica com a questão acerca da possibilidade de darmos regras à arte.
Uma regra para guiar o juízo e a criação artística só poderia ter uma natureza, sua constituição só poderia ser uma, um conceito que contivesse em si mesmo um valor. A ideia de regra consiste precisamente num conceito que, mediante sua insaturação, se torna capaz de ser aplicado a casos diversos. A única distinção essencial entre a noção de regra e os conceitos anteriormente tratados é seu caráter normativo, isto é, sua intenção é, ao invés de descrever a realidade, dita como ela deveria ser. Mas a normatividade de um conceito não modifica o fato de não podermos atribuir um valor estético a ele. Isso significa, em ultima instância, que a transferência de um conceito, que é em si destituído de valor, para outra obra não garante, em nenhum sentido, um equivalente valor, ou seja, ela não pode ser conteúdo de uma regra.
O que se faz é irrelevante na arte, toda a questão do valor se reduz ao “como” se faz. Um conceito só tem valor pelo modo com que se concretiza na obra de arte, é unicamente na forma como ele é instanciado e materializado, originando uma objeto singular, que é objeto de um juízo valorativo. A prioridade do concreto, da obra em sua existência singular, proíbe qualquer discurso que se propõe como fim a constituição de regras às quais a arte deva se submeter. Qualquer juízo de valor se encerra na própria obra de arte.