sexta-feira, 29 de julho de 2011

Debussy e Stockhausen: Duas polaridades da experiência musical - Parte 4


A história da arte é marcada por um desejo constante de superação. Esse movimento de negação, rompimento e criação é a própria vida da arte, e a manutenção de sua expressividade depende disso. Obviamente, a heterogeneidade da produção musical, conseqüência inevitável de uma arte tão viva como a música, desde a formalização de sua linguagem até o século XX, ultrapassa o domínio de qualquer definição possível. Abandonando, porém, a exatidão que exige um processo de definição, uma compreensão da música por meio de conceitos que descrevem momentos ou gêneros singulares de sua existência é perfeitamente compatível com o caráter subjetivo e inexato que envolve a arte. Obviamente, a significação desses conceitos é resultado de um trabalho de natureza empírica e nem sempre tem interesse para a filosofia.
Mas, pelo menos num caso, um esforço nesse sentido me parece extremamente fértil: Todo o desenvolvimento da história da música parece ter ocorrido no interior de um entendimento de linguagem musical limitado. As perspectivas e expectativas que envolveram a música até o século XX favoreceram estruturas que dependem de sua relação com o tempo, isto é, uma característica marca decisivamente este momento da música: A submissão dos fragmentos temporais da música numa totalidade.
Não é exagerado afirmar que a melodia se tornou o principal conceito da música, grande parte da preocupação dos músicos e, principalmente, da orientação da atenção do receptor incidi sobre ela. Não é gratuito, portanto, o fato de naturalmente usarmos a melodia como critério de identidade das músicas, rebaixando os demais elementos ao estatuto de mero suporte ou acompanhamento. Ademais, até no período barroco, não era clara a distinção entre os papeis das vozes, normalmente todas as vozes faziam linhas melódicas igualmente importantes, embora alternassem sua importância no decorrer da música, isto é, a música era basicamente melodia. A primazia da melodia em relação aos demais elementos da música indica uma característica colateral: A idéia de melodia não é possível fora do tempo, sua estrutura depende da natureza fragmentária do tempo. A idéia de ritmo é igualmente dependente de uma estrutura temporal, não faz sentido a idéia de ritmo se não considerarmos a possibilidade de separarmos sons por “vazios” sonoros, e isso só o tempo pode nos fornecer.
O período clássico e romântico desenvolve ainda mais estruturas musicais que dependem do tempo. Uma noção mais clara de dinâmica surgiu, ela foi formalizada e solidificada nas estruturas clássicas das sonatas, dos concertos e das sinfonias. Todas elas se estruturavam em dois ou mais movimentos que oferecia uma maior dinâmica, os quais, ademais, se valorizavam mutuamente. Nesse contexto, a unidade da música corresponde à totalidade dos movimentos, isto é, a compreensão de cada passagem depende da presença virtual dos demais movimentos. Assim como cada nota da melodia deve sua total significatividade à relação que mantém com as demais notas que compõe o todo, cada movimento das extensas obras românticas também deve grande parte de sua expressividade à relação que mantém com a totalidade da obra.
No interior de toda a novidade estética que Debussy traz à música, investigando delicados timbres e desafiando o sistema tonal predominante, está presente uma estética cuja relação com o tempo é, contrariamente, a radicalização da tradição. Cada pequeno som que aparece na música impressionista de Debussy está inserido num contexto mais amplo, e sua plena expressividade depende dessa relação. Debussy explora inúmeros efeitos sonoros que se estruturam numa multiplicidade de sons encadeados, sua peculiar construção harmônica somente se dá na complexa relação entre as notas, assim como a dimensão pictórica de sua música, que surgi a partir da ambientação que se constitui no movimento da música. Nesse sentido, a idealização de sua música está profundamente relacionada ao tempo, e sua percepção exige uma compreensão dessa totalidade que se encontra fragmentada em toda a extensão temporal da música.




segunda-feira, 11 de julho de 2011

Debussy e Stockhausen: Duas polaridades da experiência musical - Parte 3

A música, como qualquer linguagem artística, não se desenvolve na história de forma previsível, compreender o fenômeno da arte por meio de estruturas evolutivas ou resultados diretos de uma configuração histórico-cultural contraria grande parte da nossa experiência. Mas é impossível negar que a arte sofre mudanças proporcionais à realidade na qual se encontra inserida e que sua existência é limitada às condições tecnológicas de seu tempo e às restrições empíricas da imaginação humana. As novidades técnicas que sustentaram o surgimento da música eletrônica ocupa um lugar privilegiado no interior deste pensamento, sua aparição fornece um novo espaço de criação, tanto pela nova materialidade sonora quanto pelo modo como ela é usada e percebida.
O surgimento da música eletrônica pode certamente ser compreendido como um desses momentos em que o antes e o depois compõem fronteiras extremamente significativas, em especial com relação ao modo como a obra é recebida e compreendida. Nesse sentido, a trama dessa história divide dois momentos da música cuja característica que às distingue é o modo como se percebe a música, mais especificamente, o modo como a música se relaciona com o tempo na sua recepção.


Alexis Korner - Accidentally Born In New Orleans 1973


Um álbum muito interessante, mas que não tem nada a ver com o texto...

domingo, 10 de julho de 2011

Debussy e Stockhausen: Duas polaridades da experiência musical - Parte 2


Considerando a história da música de maneira mais ampla, creio que a novidade técnica que modificou a natureza da música de maneira mais significativa foi o desenvolvimento dos instrumentos que formariam os primeiros estúdios eletroacústicos, me refiro especialmente à estética originária da Musique Concréte francesa e a Elektronische Musik alemã. Os aparelhos eletrônicos que surgiram anteriormente, como o telarmônio o órgão Hammond e o Teremim, apesar de desempenharem papéis importantíssimos na história da música, ainda não despertaram uma compreensão privilegiada da música.
O órgão Hammond estimulou uma excelente produção musical, especialmente a partir da década de 50. Seu timbre único e suas potencialidades técnicas abriram um campo de possibilidades extremamente rico e se mostrou fértil na realização e idealização de experiências antes inimaginável. O jazz, o blues e, particularmente, o rock progressivo, devem grande parte de sua produção ao espaço criativo aberto pelo órgão Hammond. No entanto, toda a composição que se originou com o Hammond ocupava estruturas já existentes, a música o absorveu e o acomodou dentro de formas já concebidas.
Com os métodos de gravação que permitiam uma manipulação posterior dos sons captados, de modo que sua natureza originária se transfigurava em efeitos sonoros com funções completamente distintas, Pierre Schaeffer, junto à equipe da RTF, iniciou uma jornada cujo trajeto, completamente desconhecido, redefinia a música. Paralelamente, a NWDR desenvolvia pesquisas semelhantes, mas o ideal alemão parecia ser ainda mais consciente quando havia ainda a exigência do próprio material sonoro originário ser puramente eletrônico. “O material sonoro (basicamente ondas sinusoidais e ruídos) era manipulado por meio de processos de síntese, modulação de amplitude, filtragem e reverberação e, depois, fixado em fita magnética.”[1]


[1] http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tiki-index.php?page=m%C3%BAsica+eletroac%C3%BAstica


Pierre Schaeffer & Pierre Henry - Symphonie Pour Un Homme Seul 1949 



terça-feira, 5 de julho de 2011

Debussy e Stockhausen: Duas polaridades da experiência musical - Introdução



Quando um novo recurso técnico é incorporado pela arte ela se transforma. Todas as suas dimensões sofrem alterações: A sua criação é enriquecida com novas possibilidades e uma compreensão da música já existente, sua existência é ampliada em sua própria materialidade além do modo com o publico recebe a obra ser forçadamente modificado. Obviamente, nem toda novidade técnica alcança conseqüências tão radicais e extensas como a reprodutibilidade técnica narrada por Walter Benjamin, mas uma investigação precisa é certamente capaz de encontrar alterações significativas provocados pelos mais variados recursos técnicos que surgiram na história da arte.
No contexto da música brasileira temos bons exemplos. Tom Zé, numa conversa documentada com David Byrne, oferece uma interpretação esclarecedora acerca do surgimento da Bossa Nova: A música que antecede sua criação é marcada por vocais cuja expressividade se baseava em gritos potentes, e não poderia ser diferente, a restrição técnica da gravação delimitava o próprio escopo criativo. Foi o aperfeiçoamento do microfone que permitiu a realização do vocal frágil e sussurrado de João Gilberto, mais do que isso, a própria idealização de uma vocal assim não seria possível sem o desenvolvimento do microfone. A música tropicalista também permite esclarecimentos análogos, ele deve parte de sua produção à nova compreensão que a absorção da guitarra elétrica proporcionou ao samba e a música folclórica.




Novos Baianos - Acabou Chorare 1972




João Gilberto - Chega de Saudade 1959

domingo, 3 de julho de 2011

Música Eletrônica


Iannis Xenakis - Electronic Music 1997




Gérard Grisey - Les espaces accoustiques 1985






           Estudei, nesse último mês, bastante música eletrônica, e, diferentemente do que primeiro se espera de músicas nomeadas por este jargão, encontrei obras que realmente me surpreenderam. Postei aquilo que mais me agradou, sem me preocupar com uma apresentação linear da história da música eletrônica. Achei importante postar o primeiro álbum por sua pureza: Entre músicas separadas por datas radicalmente distintas há uma preocupação clara com a particularidade do som eletrônico. Recusando estruturas já existentes, Iannis Xenákis focaliza sua atenção para elementos que só poderiam ser percebidos e explorados intencionalmente com a música eletrônica, a saber, o timbre. Karlheinz Stockhausen também desenvolve uma proposta estética parecida na qual a instantaneidade da materialidade do som se destaca em relação às estruturas musicais que se dão no tempo (a melodia).
         O álbum de Gérard Grisey mostra um tipo de experiência completamente diferente, onde a música eletrônica se encontra intimamente ligada à música erudita, até mesmo se confundem. São sons que, por vezes, nem ostentam um timbre eletrônico, mas o modo como é usamos é inegavelmente originário das formas musicais possibilitadas pelos recursos eletrônicos.



sábado, 2 de julho de 2011

Thirsty Moon - You'll Never Come Back 1974

    
     Este album não pode ser julgado de pela capa, nem pelo que se espera de uma banda de rock progressivo alemão. A capa é feia, e a música é distante daquilo que os alemães sabem fazer de melhor, no entanto, este álbum é uma delícia, bem clássico, talvez pouco original, mas certamente tem muita qualidade.


1. I See You (7:18)
2. Trash Man (14:27)
3. Tune In (5:00)
4. You'll Never Come Back (12:34)
5. Das Fest Der Völker (5:05)

- Jürgen Drogies / guitar, percussion
- Norbert Drogies/ drums
- Michael Kobs / keyboards
- Harald Konietzko / bass, acoustic guitar, vocals
- Erwin Noack / percussion
- Willi Pape / woodwinds

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